CNDH recomenda que Estado brasileiro enfrente emergência climática e promova uma transição energética justa e sustentável
Última reunião do Conselho Nacional dos Direitos Humanos teve foco no impacto das questões ambientas no aprofundamento das injustiças sociais no país
Publicado 16/08/2023 - Atualizado 17/08/2023
Durante a 71ª reunião ordinária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, o órgão publicou recomendação para que o Estado brasileiro reconheça a emergência climática pela qual passa o país e para que todos os entes federados adotem medidas urgentes para uma transição energética justa e sustentável. Segundo o Conselho, “a agenda climática não pode servir ao aprofundamento das injustiças ou à promoção do racismo ambiental e da dívida climática”.
A recomendação foi aprovada durante reunião ordinária do colegiado, entre os dias 3 e 4 de agosto, em Belém (PA), durante a programação dos “Diálogos Amazônicos”, evento que precedeu a Cúpula da Amazônia. De acordo com Francisco Kelvim, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, as mudanças climáticas têm revitimizado os atingido, que, geralmente, vivem em comunidades nas proximidades dos grandes rios brasileiros ou nas periferias das grandes cidades, sem a infraestrutura necessária para lidar com os eventos extremos.
O dirigente destaca que, nos últimos anos, o aumento desses eventos no Brasil, principalmente de chuvas intensas, tem sido acompanhado do crescimento, também, do número de vítimas fatais.
“Isso acontece porque o Brasil ainda não adotou uma agenda séria de adaptação às mudanças climáticas, que afetam – especialmente – as populações que já são atingidas pela atuação de grandes empreendimentos – hidrelétricas e empresas de mineração – e que têm sofrido um processo sistemático de racismo ambiental”.
Ainda de acordo com Kelvim, reconhecer que o país gente está vivendo em uma situação de emergência climática, é importante para que se passe a tratar o tema com seriedade.
“É reconhecer que é necessário adotar medidas urgentes para a adaptação e ter dotação orçamentária no Brasil para isso. E essa é uma das pautas das populações atingidas do Brasil: que a gente tenha um fundo específico para esse fim, que a gente tenha organismo do estado para tratar do remanejamento e reparação das populações atingidas”, afirma o coordenador.
No caso dos atingidos por barragens, há outros fatores que podem agravar as condições de vida nos bairros afetados pelas mudanças climáticas. Em alguns casos, a abertura de comporta de hidrelétricas sem aviso prévio durante o período de chuvas, o risco de rompimento de barragens e a inundação de bairros inteiros com águas contaminadas por rejeito de minério intensificaram os riscos e danos impostos à população.
O clima e os desastre naturais no Brasil
Entre os anos de 2021 e 2023, especificamente, as chuvas intensas de verão provocaram deslizamentos de terra em áreas de risco, causaram enchentes, destruição de casas e a morte evitável de centenas de pessoas de norte a sul no país, com destaque para o município de Jequié, no oeste da Bahia, a região serrana do Rio de Janeiro e – mais recentemente – o litoral paulista, que sofreu coma as chuvas que mataram 64 pessoas em São Sebastião, no último mês de fevereiro.
Segundo a coordenação do MAB, o Estado tem falhado (em suas três esferas) em assegurar os direitos da população atingida pela situação de calamidade nos municípios atingidos pelas mudanças climáticas, no que diz respeito ao mapeamento de riscos, prevenção de desastres e realização de obras estruturais de segurança e reassentamento.
Em São Sebastião, por exemplo, atingidos pelo deslizamento de terra seguem vivendo em áreas de risco há seis meses. É o caso da moradora da comunidade do Tropicanga, Adenilde Cerqueira. A maioria dos seus vizinhos foram deslocados para uma moradia provisória no município vizinho Bertioga, mas ela permanece vivendo no local onde houve a tragédia. “A gente fica aqui em uma situação de angústia de permanecer neste local sem segurança e sem amparo algum por parte do poder público e sem saber quais os critérios estão sendo utilizados para retirar as pessoas”, desabafa a diarista.
Estado brasileiro precisa de dotação orçamentária para proteger a vida da população que está vulnerável aos desastres ditos naturais
Para lidar com essas situações de calamidade, o estado precisa investir recursos suficientes para proteger a vida da população em áreas vulneráveis. Por isso, o CNDH recomenda que, durante o período de vigência do estado de emergência climática, “seja vedado o contingenciamento de fundos ou de recursos destinados à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à mitigação e adaptação à mudança climática. Já políticas, programas e planos de desenvolvimento, inclusive as proposições orçamentárias, deverão incorporar ações de resposta à emergência climática, considerar e integrar as ações promovidas no âmbito estadual, distrital e municipal”.
O Conselho também recomenda que sejam tomadas medidas imediatas para o cumprimento das metas de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), entre elas: que o Grupo Executivo sobre Mudança do Clima apresente um Plano de Transição Energética Justa; criação de um grupo de trabalho para elaboração e gerenciamento do Fundo de Transição Energética Justa; suspensão de leilões para usinas termelétricas movidas a carvão; suspensão de incentivos fiscais, tributários e creditícios para exploração, comercialização e uso de carvão mineral destinado à geração de energia elétrica; suspensão os processos de renovação dos licenciamentos das usinas termelétricas que envolvam queima de carvão mineral, até que seja demonstrado que os licenciamentos ambientais desse tipo de empreendimento incluem o componente climático e estão projetando a necessidade de uma transição energética justa, com a respectiva redução de emissões de GEE; e inclusão de diretrizes legais previstas na Política Nacional sobre Mudança do Clima, sobretudo quanto à necessidade de inclusão de componente climático e da análise de riscos à saúde humana.
O conselho considera que a categorização das “mudanças climáticas” ou dos “desastres naturais” deve ser associada às intervenções antrópicas de largo espectro, vinculadas a macroestratégias econômicas e geopolíticas na região nas últimas décadas, sendo premente a identificação e publicização de riscos sociais e ambientais embutidos nos grandes projetos de infraestrutura já implantados e em implementação na Pan-Amazônia, que redundam em danos irreversíveis ao bioma e aos povos nele entrelaçados e antecipam os piores efeitos das mudanças climáticas, para o aqui e agora.
Leia a Recomendação CNDH nº 15/2023