Os agricultores têm direito à tarifa de energia com descontos em função da atividade diferenciada que exercem: alimentar o Brasil através de produções que dependem de vários equipamentos movidos a energia elétrica
Publicado 03/08/2023 - Atualizado 03/08/2023
De acordo com o Decreto nº 9.642/2018 do então presidente Michel Temer, esse ano (2023) se encerra o benefício que os consumidores “rurais” tinham na conta de luz. A chamada “luz rural” concedia às unidades de consumo classificadas no âmbito da agricultura familiar, camponesa, comunidades tradicionais, entre outras categorias, um desconto de 30% em relação à tarifa padrão de energia da respectiva distribuidora.
A tarifa diferenciada de energia elétrica para consumidores rurais é fundamental quando se considera que a unidade de consumo é – ao mesmo tempo – de uso doméstico, mas também focada na produção, beneficiamento e conservação de alimentos, utilizando diversos equipamentos elétricos, como cercas elétricas e ordenhadeiras, secadores, processadores, freezers e câmaras frias.
Ou seja, a proposta com o benefício era fornecer energia a preço mais justo para famílias que hoje produzem 70% do alimento consumido pelos brasileiros.
Dados da Aneel revelam que, em 2022, 4,3 milhões de consumidores foram classificados como “b2 – rural”. Este número é menor que em 2018, quando eram 4,7 milhões de unidades nessa modalidade, e menor ainda quando o IBGE considera que existem, no Brasil, mais de 5 milhões de unidades agrícolas de caráter familiar.
Considerando que, em 2018, a tarifa média (com impostos) para esse setor era de R$ 445,16/MWh e, em 2022, esse valor passou para R$ 708,95/MWh, houve um aumento médio de 62% em 4 anos. Mesmo que tendo havido uma redução da quantidade total de energia consumida nesse período (cerca de 5%), as empresas de energia arrecadaram R$ 3,6 bilhões/ano (sem impostos) a mais apenas sobre a classe de consumo “rural”. Essa medida, inclusive, não impediu que, nesse período, a conta de luz de todos os brasileiros continuasse subindo acima da inflação.
Causa ainda espanto e indignação o fato de que o montante total demandado por essa classe de consumo, cerca de 2,0 mil MW médios, é equivalente ao que o Sistema Integrado Nacional tem “jogado fora” anualmente por meio do vertimento proposital de água das usinas hidrelétricas. Ou seja, a energia deixada de gerar nas hidrelétricas poderia abastecer o contingente de unidades agrícolas familiares gratuitamente.
Além do preço, a qualidade do serviço tem atrapalhado a ampliação da produção no campo, seja pelas frequentes interrupções causadas pela precarização dos serviços das empresas privadas, seja pela baixa capacidade das redes de distribuição. É o que relata um morador de Aratiba/RS.
“Segue esta situação caótica, também do ponto de vista da qualidade. Aqui, a corrente é 220 [volts], mas acho que chega a 150, 130 e , quando cai um poste ou uma chave, para eles chegarem é outro dilema. (…). Imagina em uma propriedade que tem ordenha de leite. Não dá pra deixar para o dia seguinte. Tem que ser hoje. (…) Da mesma forma os criadores de suíno, de frango.”
Esses elementos são evidências do fracasso da atual política de energia elétrica brasileira, que tem atualmente como maior símbolo, a apropriação por bancos e empresas privadas em quase todos os segmentos (geração, transmissão e distribuição). Essa política faz com que as empresas do setor mantenham a cobrança de uma das tarifas de energia mais caras do mundo e o elevado grau de incapacidade de gerir adequadamente os recursos mobilizados, ao ponto de desperdiçar água de hidrelétricas ao mesmo tempo que mantem funcionando usinas térmicas, especialmente a base de combustível fóssil.
Reverter essa condição se faz urgente! É imperativo que o Governo Federal revogue o Decreto nº 9.642/2018 e faça o ressarcimento dos valores pagos injustamente pelos consumidores “rurais” nesses 4 anos. Também é importante que seja retomado o programa “Luz para todos”, a fim de levar energia a 100% das unidades familiares, expandindo e reforçando as redes de distribuição no meio rural. E que se retome o controle público da indústria de eletricidade no Brasil que passa pela reestatização da Eletrobras, elo fundamental para o fornecimento de energia, desde a produção de alimentos até a produção industrial, promovendo o uso dos recursos energéticos de forma adequada e o desenvolvimento harmônico e sustentável.