Em reunião, atingidos reivindicam mais políticas públicas de reparação e acesso à energia no estado que abriga as duas maiores hidrelétricas inteiramente brasileiras
Publicado 20/04/2023 - Atualizado 22/05/2023
No último fim de semana, lideranças e militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) estiveram reunidos em Belém (PA) com o objetivo de analisar a realidade de territórios atingidos pelas mudanças climáticas no estado, além de formular a pauta de reivindicações do Movimento para planejar as próximas atividades e lutas.
O encontro reuniu lideranças e militantes das regiões do Tapajós, Xingu, Araguaia-Tocantins, Baixo Tocantins e área metropolitana de Belém. “Tinham ribeirinhos, agricultores, pescadores, trabalhadores urbanos, pessoas negras, indígenas e sujeitos LGBT. A maioria do público era formada por mulheres e jovens”, conta Aldinei Dias, militante do MAB e atingido pelo Complexo Hidrelétrico de Belo Monte. “Essa diversidade nos permitiu trocarmos bastante experiências de luta e conhecer muitas realidades diferentes”, explica o militante.
No relato dos participantes, ficaram evidentes os impactos dos projetos de grande escala nos territórios, como as hidrelétricas já construídas Belo Monte e Tucuruí e rodovias como a Transamazônica e a Br 163. Os presentes também relataram preocupação com as ameaças de novos projetos, como as hidrelétricas no Tapajós, a hidrovia Araguaia-Tocantins, as ferrovias Ferrogrão e Paraense, além de plantas de mineração como a Belo Sun.
“Em comum, nenhuma dessas obras foram pensadas para o desenvolvimento e o bem-estar dos povos da Amazônia ou do Brasil, mas, sim, para favorecer projetos predatórios, como a mineração e o avanço da monocultura”, afirma Cleidiane Vieira, integrante da coordenação do MAB.
A militante ressalta também que essas obras não foram planejadas tendo em vista as mudanças do clima, portanto, seus impactos estão se tornando ainda mais dramáticos. “Veja o caso da hidrelétrica de Tucuruí, que agrava as enchentes com a operação de suas comportas, ou mesmo o caso de Belo Monte, cuja produção de energia já está sendo afetada pelas mudanças climáticas e pelo desmatamento na bacia do rio Xingu”, conta.
Por isso, os militantes ressaltaram o compromisso com a resistência a esses projetos, reafirmando a importância da consulta prévia às populações tradicionais e, também, às demais comunidades atingidas. Para além disso, ficou clara a urgência da aprovação do marco legal sobre o direito dos atingidos no Brasil, para que sejam criadas políticas públicas para a proteção e reparação dos atingidos.
Política Estadual de Direitos e Segurança dos Atingidos
Em 2020, a Assembleia Legislativa do Pará aprovou, por unanimidade, o projeto que instituía a Política Estadual de Direitos dos Atingidos por Barragens (PEAB), de autoria do deputado Carlos Bordalo (PT). O governador do estado, Helder Barbalho, no entanto, vetou o projeto, argumentando que uma política de tal natureza e abrangência deveria partir da iniciativa do executivo estadual. Desde então, o MAB vem pressionando o governo a retomar esse debate. Na esfera nacional, o Movimento também luta há anos pela implantação do marco nacional de direitos dos atingidos. De acordo com o último relatório nacional de segurança de barragens, relativo a 2021, o Pará tem 18 dessas estruturas cuja situação é preocupante devido a seu estado de conservação.
Geração de energia
Os atingidos do Pará também apontam as contradições relativas ao acesso à energia no estado, tendo em vista que ele abriga em seu território as duas maiores hidrelétricas totalmente brasileiras, Belo Monte (11.233,1 MW) e Tucuruí (8 370 MW). Ainda assim, abriga a maior quantidade de pessoas sem acesso à energia: 153 mil famílias, que representam 8% da população, segundo levantamento do Ministério de Minas e Energia divulgado pela revista Piauí. Inúmeros relatos dão conta também da precariedade do serviço no estado, com interrupções e acidentes, além das arbitrariedades no corte da energia de famílias em situação de fragilidade econômica.
Diante desses problemas e dos desafios da transição energética, os atingidos querem participar desse processo, tornando-o mais popular e em sintonia com a realidade do povo das Amazônias. Surge, assim, a necessidade de implantar projetos de geração de energia descentralizada e de baixo impacto, sob coordenação dos atingidos, com o objetivo de baratear os custos, ampliar o acesso e possibilitar o desenvolvimento de tecnologias populares.
Soberania alimentar
Os participantes também apontaram a necessidade de fortalecer a produção de alimentos saudáveis, tendo como sujeitos os atingidos que historicamente praticam a agricultura familiar, como as populações assentadas às margens das rodovias, os ribeirinhos que vivem, sobretudo, da pesca e as populações das periferias urbanas, onde é grande a insegurança alimentar.
As demandas apontadas envolvem desde incentivo à produção em hortas urbanas, projetos para facilitar o escoamento e a venda da produção familiar e agroecológica, políticas para garantir a pesca tradicional nas regiões ameaçadas por grandes projetos e incentivo à criação de peixes em tanques-rede.
Protagonismo das mulheres e juventude
O MAB, em geral, conta com um grande protagonismo das mulheres atingidas na construção do Movimento e nas lutas em defesa dos territórios. No entanto, é possível avançar mais. Por isso, as mulheres também têm uma demanda específica: a construção de uma rede de proteção, envolvendo o tema da segurança, cuidados com a saúde e a formação política para qualificar sua liderança nos territórios.
Além disso, os participantes ressaltaram a importância da formação para juventude, tanto no campo quanto na cidade, além de projetos de educação, com cursinho popular e alfabetização de jovens e adultos. Para isso, uma das ideias é a construção de um Centro de Formação dos Atingidos.