Projeto feito pelo BNDES pretende entregar para a iniciativa privada os serviços de água e esgoto de 64 municípios fluminenses ainda este ano. Com essa nova modelagem para o saneamento, o Rio de Janeiro é considerado o balão de ensaio para o restante do país.
Publicado 15/09/2020 - Atualizado 23/09/2020
Desde 2017, o Governo Federal faz um grande esforço para viabilizar a privatização dos serviços de saneamento no Rio de Janeiro. Inicialmente, o ataque foi sobre a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), empresa pública que presta estes serviços na maioria dos municípios. Sempre esteve claro que o verdadeiro interesse é privatizar a água no estado.
O governo Bolsonaro intensificou ainda mais esse processo com a ofensiva neoliberal orquestrada pelo ministro da economia Paulo Guedes, que defende a qualquer custo que a solução para a economia do Brasil é a entrega das riquezas do país, inclusive a água.
Para tal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) apresentou um projeto chamado Universalização do Saneamento, que visa conceder às empresas privadas, inclusive internacionais, os serviços de saneamento de municípios, no período de 35 anos. Segundo os técnicos que coordenam o processo, este projeto trará um grande avanço na prestação dos serviços no estado do Rio, levando inclusão do acesso e diminuição na tarifa.
Mas, os trabalhadores brasileiros viveram a privatização do setor elétrico nos anos 90 sabem as suas contradições e afirmam que “não é bem assim que funciona”. Em especial, nós, atingidos por barragens, sabemos que, para as empresas privadas o que sempre está em primeiro lugar é o lucro – os dois crimes da Vale em Minas Gerais revelam a essa crueldade.
A universalização do saneamento atende a quem?
Assim como no fornecimento de energia elétrica, no saneamento os consumidores são cativos, ou seja, a população não tem o direito de escolher quem lhe fornece o serviço.
Logo, o lucro na venda é certo, pois independente do preço que cobrarem, a população será obrigada a pagar. Caso contrário, terá seus serviços cortados e pode até mesmo ser multada. Para as empresas privadas, a preocupação com a qualidade e com a universalização fica em segundo plano.
Apesar do projeto do BNDES apresentar-se publicamente com esta proposta de universalizar o acesso, os contratos apontam que as concessionárias não terão obrigações, pelo menos nos próximos 20 anos, em comunidades onde não houver a devida urbanização e segurança pública. Certamente a população mais pobre, das regiões mais distantes e rurais ou das favelas, será mais uma vez penalizada e excluída, como vem sendo desde a escravidão.
Provavelmente os locais considerados pelas empresas como “perigosos” perderão os poucos serviços que hoje são prestados pela CEDAE estatal e, caso sejam mantidos, a população pagará preços altíssimos sem nenhuma melhora.
Isto demonstra como é irresponsável a privatização de um serviço que é essencial para a vida e a saúde da população (isso se os atuais governos, federal e estadual, consideram os trabalhadores mais pobres como parte da população).
O preço vai aumentar
O plano do BNDES prevê um investimento do próprio banco de R$ 35,5 bilhões de reais para as empresas que ganharem a concessão. Segundo o plano, esse recurso será utilizado ao longo dos 35 anos.
O fato é que alguém vai pagar esta conta. E tendo o exemplo do setor elétrico, que pega empréstimos em bancos públicos e cobra nas contas de luz da população, não temos dúvida que este valor também será pago pelo povo. Isso faz com que o negócio seja ainda mais lucrativo, pois a empresa privada ganhará de presente os serviços de concessão, não terá custo nenhum de seus próprios cofres para investimento, e ao final o povo pagará pelo empréstimo que a empresa teve do BNDES.
Não existe universalização sem participação popular
Não podemos achar que problemas tão graves como a falta de acessibilidade ao saneamento serão resolvidos a partir de um escritório. A população precisa planejar as soluções para os seus problemas, afinal estamos falando de serviços que são prestados diretamente nas casas das pessoas, e que, além disso, tem ligação direta com a saúde.
Soluções definidas dentro de gabinetes sem a participação popular sempre vão trazer prejuízos ao povo, pois sempre levarão como prioridade os interesses de quem às fazem. Dessa forma, os entreguistas aprovam absurdos por detrás dos panos.
Deixarão o povo da favela sem saneamento devido ao descaso do próprio Estado com a segurança das pessoa. Farão obras milionárias, como é o caso das barragens do rio Tanguá e do rio Guapiaçu. Investirão em saneamento como se bastasse apenas fazer obras, sem levar em conta os problemas de saúde que a população fluminense enfrenta. Desconsiderarão os inúmeros problemas fundiários enfrentados por agricultores e agricultoras que inviabilizam obras de saneamento em suas comunidades, tornando-as excluídas do projeto.
E assim segue o rol de situações que a população enfrentará enquanto não for devidamente ouvida pelos governos e pelo BNDES, que planeja a concessão como um balão de ensaio para o Rio de Janeiro, modelando a concessão do saneamento para o Brasil inteiro.
Se não bastasse, esse modelo de concessão é aprovado em audiências públicas virtuais, o que limita muito que o povo conheça o projeto e suas propostas, além da impossibilidade de manifestação.
Para o MAB, as audiências públicas, as presenciais e principalmente as virtuais, que decidem o destino de milhões de pessoas não podem ser tidas como legítimas. É um descaso total com a população e com a democracia, para aqueles que querem vender o Brasil, a presença do povo é insuportável.
Abriram o portão da privatização da água no Rio de Janeiro, estão “passando a boiada” durante a pandemia, e querem seguir passando no restante do país.
O que fazer?
Diante de propostas tão absurdas não nos resta outro caminho que não seja nos organizar e lutar por direitos.
A luta pela água se acirra no Brasil, e com a aprovação do novo marco regulatório do saneamento, os governos entreguistas tem a lei a seu favor e tiram da população algo que não pode ser encarado como mercadoria, a água.
É urgente a necessidade da construção de uma política que garanta os direitos da população com relação aos serviços de saneamento. É urgente uma grande mobilização para que:
- seja criado um marco legal que impeça as empresas que adquirirem as concessões
- as empresas sejam impedidas de aumentarem o preço da conta de água;
- sejam obrigadas a levar saneamento para todos e todas;
- as impeçam de desrespeitar o meio ambiente;
- estabeleça um canal de comunicação direta entre a população e a prestadora do serviço, com uma instância popular;
- estabeleça a participação popular como essencial para qualquer alteração no serviço. E isso vale também para empresas estatais, que infelizmente também deixam muito a desejar.
Precisamos nos organizar, lutar e defender a nossa água, defender a saúde da população e não permitir que o capital privado roube de nós este direito, reconhecido inclusive pela ONU, Organização das Nações Unidas, que é o direito humano à água e ao saneamento básico.