Lutar não é crime: Justiça do Pará tenta enquadrar o MAB como quadrilha

Processo por ocupação de barragem de Tucurui (Pará) em 2007 tenta enquadrar o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como quadrilha. Julgamento foi suspenso e será retomado na terça-feira (10), […]

Processo por ocupação de barragem de Tucurui (Pará) em 2007 tenta enquadrar o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como quadrilha. Julgamento foi suspenso e será retomado na terça-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos.


 Famílias atingidas por Tucurui em protesto. Foto: Coletivo de Comunicação do MAB. 


Na quarta-feira (4) aconteceu no Tribunal regional Federal da 1ª região (TRF1), em Brasília, o julgamento de processo criminal no qual defensores de direitos humanos atuantes no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) são criminalizados por diversos fatos que ocorreram nos dias 23 e 24 de maio de 2007, junto à UHE Tucurui, durante protesto e manifestação da qual participaram integrantes do MAB, MST, Via Campesina e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (SINTEPP). O Ministerio Público Federal e a Justiça de 1ª instância caracterizaram o MAB como uma organização criminosa, e a acusação e sentença é de que constitui e deve responder pelos crimes de “bando ou quadrilha”, ou seja, está havendo criminalização de movimento social. O MAB é considerado uma quadrilha pela justiça federal do Pará.

Direitos negados


 Atingidos e atingidos por Tucurui exigem justiça para nossa companheira Dilma Ferreira -cruelmente assassinada em março de 2019- frente ao Poder Judiciario de Baião (Pará). Foto: Coletivo de Comunicação do MAB. 

 

A usina hidrelétrica de Tucuruí, construída durante a ditadura militar, é uma das maiores hidrelétricas do país. Localizada no Rio Tocantins, a 310 km da capital Belém (PA),  sua construção deslocou de suas moradias cerca de 32 mil pessoas, que há mais de 30 anos lutam para garantir seus direitos.     

O conflito socioambiental gerado pela construção da barragem de Tucuruí possui um passivo social nunca indenizado. No país, a ausência de um marco legal para proteger os direitos das populações atingidas tem levado à intensificação desses conflitos, e na prática apenas a organização do MAB tem levado à garantia de direitos, como se tem observado nos casos de Mariana e Brumadinho. O próprio Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)  reconhece que: “a despeito de normas que asseguram direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais aos atingidos por barragens, a efetivação dos mesmos somente tem ocorrido devido à pressão exercida pelos movimentos sociais”.

Dois meses após o protesto realizado na sede da empresa, os integrantes da Comissão Especial do CDDPH (atual CNDH) visitaram a região de Tucuruí entre os dias 4 e 6 de julho de 2007.  O relatório da missão reconhece que ainda estavam sendo violados os seguintes direitos humanos: Direito à informação e à participação; Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; Direito à moradia adequada; Direito a um ambiente saudável e à saúde; Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais; Direito à alimentação; Direito dos povos indígenas e tradicionais à posse permanente e usufruto exclusivo da terra; e Direito à melhoria contínua das condições de vida.

O Conselho retornou a região sete anos depois para monitorar a situação. A situação encontrada em 2014 não diferiu muito daquela reportada em 2007: “as barragens provocaram degradação das condições de vida materiais das pessoas, com a ruptura de redes culturais, sociais e econômicas; agravando, piorando a sua anterior condição de existência; colocando-os em situação de exclusão social que não havia anteriormente”. A maioria dos problemas apontados pelos relatórios de violação de direitos permanecem e, em alguns casos, foram agravados.

Cabe lembrar, que no dia 22 de março desse ano, a companheira Dilma Ferreira, atingida pela mesma barragem, foi brutalmente assassinada, justamente porque lutava por melhores condições para o reassentamento em que vivia, o que entrava em conflito com interesses econômicos locais.

Luta legítima

Foto: Coletivo de Comunicação do MAB. 

É muito grave comparar a atuação de movimentos sociais no Brasil com a prática de organização para cometer crime, à medida que a manifestação visava chamar o interesse da sociedade e dos governantes sobre a grave situação de violação dos direitos humanos das populações atingidas pela construção da barragem de Tucuruí. As provas produzidas no processo, inclusive um laudo da polícia federal, reconhecem que a manifestação tinha como objetivo estabelecer negociações para atender as reinvindicações dos atingidos pela barragem que, entre outras coisas, reivindicavam o pagamento de indenização às famílias desalojadas há 23 anos, bem como melhorias na saúde, educação, pavimentação de estradas, e redução da tarifa de energia cobrada no Pará.

Hina Jilani, representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Defensores de Direitos Humanos, em visita ao Brasil em 2005, afirmou que os Movimentos Populares “desenvolveram modos de ação social e participação e estão desenvolvendo regras de combate que diminuem a possibilidade do uso de violência em ações sociais”. E se disse “perturbada pelos relatos que indicam que quando ativistas de direitos humanos se organizam, são acusados de formar quadrilha e quando se mobilizam em ação coletiva para protestar contra violações de direitos humanos, são acusados de desordem pública”.

 Novo julgamento

Os defensores de Direitos Humanos do MAB foram defendidos em primeira instância por advogados/as da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), com apoio do Coletivo de Direitos Humanos do MAB.

Em janeiro de 2016 a Justiça Federal de Marabá, condenou três dos oito integrantes do MAB, denunciados em 2010. É o caso mais grave de criminalização do Movimento atualmente no Brasil. O MAB foi considerado uma quadrilha pela decisão da justiça. Após a sentença foi interposto recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 1a Região (Brasília).

No dia 04 de dezembro iniciou o julgamento do recurso, o qual foi adiado depois de ser acolhida questão de ordem sobre a acusação de que o MAB é uma quadrilha. A defesa em plenário foi realizada pelo Dr. Cezar Britto, ex-presidente do Conselho Federal da OAB e pelo Dr. Marco Apolo Santana Leão (SDDH).

A própria presidente da 3ª Turma do TRF1 questionou durante o julgamento a fundamentação e as provas existentes, os quais deveriam estar muito claros, sob pena de ocorrer a criminalização de um movimento social. A sessão foi suspensa, e provavelmente será retomada na próxima terça- feira (11).

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) espera que se o caso for pauta de julgamento na semana que vem, haja respeito e garantia à liberdade de organização e reunião em nosso país, afastando-se a injusta caracterização do movimento como uma quadrilha, e reafirma seu compromisso em continuar defendendo os direitos humanos dos atingidos por Tucuruí e outras barragens no Pará e em todo Brasil apesar das perseguições que sofre por isso.

 

Carta da CNBB em defesa do MAB


Foto: Coletivo de Comunicação do MAB. 

 

Em 2005 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, emitiu um comunicado assinado por quatorze Bispos, denunciando uma das maiores perseguições contra o MAB até aquele momento. Na época a CNBB dirigiu-se à sociedade brasileira

para denunciarmos a violência com que são tratadas as famílias, vítimas da implantação de hidrelétricas que buscam defender os direitos espezinhados por aqueles que se arvoram em promotores do progresso. O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, organizado em quase todo o Brasil, vem realizando manifestações e protestos para chamar a atenção das autoridades e sensibilizar a opinião pública para a dura realidade que enfrenta….

… Quando os atingidos por barragens se manifestam, eles estão gritando por vida, por respeito aos direitos não só de cada pessoa, de cada família, mas pelos direitos de toda uma comunidade. E suas manifestações são tratadas como caso de polícia. Como bispos, pastores de nossas Igrejas, preocupados com a situação, denunciamos a violência e as arbitrariedades que se cometem contra as famílias dos atingidos por barragens…

MAB reconhecido pelo Estado Brasileiro, pela Procuradoria Geral da República e pelo próprio MPF

 

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) assinam Termo de Cooperação. Foto: Coletivo de Comunicação do MAB. 


Em 2018, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Movimento dos Atingidos por Barragens assumiu uma vaga como membro titular do Conselho Nacional de Direitos Humanos para o período 2018-2020, representando os movimentos da Via Campesina. Na gestão anterior (2016-2018) o MAB havia sido eleito como suplente no CNDH e atuava na Comissão Permanente de Populações Afetadas por Grandes Empreendimentos e na Comissão Permanente Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. No Rio Grande do Sul e em outros Estados o MAB já integrou o Conselho Estadual de Direitos Humanos.

Em 31 de janeiro de 2019, a Procuradora Geral da República convidou o MAB para uma audiência para tratar da situação da segurança de barragens no Brasil, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/raquel-dodge-se-reune-com-representantes-do-mab-e-recebe-informacoes-sobre-processo-de-reparacao-em-brumadinho).

Em março de 2019 a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) firmou Termo de Cooperação com o MAB para o acompanhamento e o enfrentamento de denúncias de violências, perseguições e outras formas de ações arbitrária contra ativistas e comunidades atingidas por esses empreendimentos no país – como trabalhadores do campo, pescadores, ribeirinhos, indígenas e comunidades tradicionais. De acordo com o termo, o MAB é reconhecido como um movimento popular legitimo e que deve ser respeitado e ouvido pelo Estado brasileiro. (http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2019/marco/pfdc-firma-termo-de-cooperacao-com-movimento-dos-atingidos-por-barragens).

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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