Mutirão de solidariedade constrói a primeira casa para atingidos em Barra Longa

Regiões atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão até hoje não receberam nenhuma casa em reassentamentos coletivos da Fundação Renova pelo crime Aproximadamente 5 mil habitantes no município de Barra […]

Regiões atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão até hoje não receberam nenhuma casa em reassentamentos coletivos da Fundação Renova pelo crime

Aproximadamente 5 mil habitantes no município de Barra Longa, cidadezinha histórica e ribeirinha próxima a Mariana e Ponte Nova. Erguida pelas mãos do povo, a comunidade carrega desde 1979 a marca de solidariedade e união.

Maria das Graças Lima, conhecida como Gracinha, tem 64 anos e é nascida e criada em Gesteira, área rural de Barra Longa, e tem lembranças marcantes da solidariedade do seu povo. Em 1979 a região sofreu uma enchente que desabrigou toda a comunidade de Gesteira. De acordo com Gracinha, mais de 100 famílias perderam tudo no alagamento.

“A comunidade se uniu. Mudamos para um terreno mais alto, lá perto, que foi doado por um fazendeiro daqui que não queria que fossemos embora. O governo deu os materiais de construção e deu cesta básica pra todo mundo que viesse ajudar a construir as casas. Nós construímos tudo de novo, cada dia era um morador aqui que ia lá trabalhar de pedreiro, servente ou pintor. As mulheres carregavam os materiais e os homens colocavam a mão na massa. Construímos as casas de todas as famílias de novo e em um ano estávamos todos morando lᔠrelembrou Gracinha, que diz nunca se esquecer da felicidade e da emoção que foi aquele domingo, 1 de dezembro de 1980, quando a comunidade inteira foi pra lá ver e receber as casas prontas.

Os mutirões de obras e reformas na cidade sempre foram comuns, e são citados por vários moradores. Dessa vez não vai ser diferente, a comunidade se reunirá mais uma vez para construir a primeira casa destinada a uma família atingida pelo rompimento da barragem do Fundão, das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton, que afetou toda a bacia do rio Doce e o centro urbano da cidade de Barra Longa.

Até hoje, 4 anos depois, não foi construída nenhuma casa em reassentamento coletivo e, para denunciar a falta de interesse das empresas e da Fundação Renova, os atingidos e atingidas organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB irão construir uma casa em apenas 4 meses.

Letícia Oliveira, militante do MAB em Barra Longa, ressalta a importância da construção da casa como símbolo de luta e de enfrentamento contra a Fundação Renova. “Essa casa será um símbolo da nossa luta, o símbolo concreto de que o povo tem força e luta pelos seus direitos. Esperamos 4 anos, não dá para esperar mais. A reparação integral dos atingidos e atingidas é urgente. Vamos mostrar com a construção dessa casa que tudo não passa de uma enrolação da Renova e das mineradoras criminosas”, finalizou.

Falta de reconhecimento mostra continuidade do crime

A casa que será construída pelas mãos do povo já tem destino certo. A família escolhida para receber é da Yolanda Gouveia, 29, casada com o Douglas Basílio, 29, e seus três filhos: Júlia, 12, Hellem, 7, e Marcelo, 6. Todos são nascidos e criados em Barra Longa, moradores de Volta da Capela, comunidade que teve todas as casas atingidas pela movimentação do maquinário pesado das mineradoras. O bairro fica no alto do município, contornando a entrada da cidade e, como a lama atingiu toda estrada de acesso, o bairro da Yolanda se tornou a única rota para chegar até o centro da cidade naquele período.

Antes do crime, Yolanda prestava serviços domésticos em casas de família e Douglas trabalhava com serviços gerais em obras. Depois, os dois relatam que a maior dificuldade da comunidade é a falta de trabalho, já que hoje todos os empregos ofertados na cidade foram terceirizados pela Fundação Renova. Hoje só o Douglas é empregado.

A casa de Yolanda apresenta rachaduras e tem as janelas quebradas. O maquinário pesado que passou na rua com a retirada da lama de rejeitos balançou a casa e danificou sua estrutura. “A janela aqui é solta, caiu na época do crime. Os caminhões passavam aqui e tremia tudo”, apontou Yolanda.

A escolha da família de Yolanda e Douglas é simbólica. Desde o rompimento da barragem do Fundão, cerca de 400 famílias no município estão com suas casas danificadas segundo a Assessoria Técnica aos atingidos e atingidas em Barra Longa (AEDAS). Verônica Medeiros, coordenadora operacional do projeto da AEDAS no município, conta que a estrutura da cidade também foi afetada. “Há problemas desde o esgoto da cidade até de rachaduras de níveis leves, e algumas que estão caindo, literalmente, na cabeça dos atingidos. Tem quatro anos que eles não têm uma reparação adequada e nem participação nesse processo”, afirmou.

Mesmo após 4 anos de luta, a família ainda não foi reconhecida pela Renova como atingida. “A grande luta aqui é que a Fundação Renova reconheça que tem um problema estrutural nas moradias. Ela trabalha com um conceito muito reduzido de atingidos e não considera aqueles que não tiveram a lama dentro de casa, sendo que os que tiveram a casa completamente abalada pelo maquinário pesado passando na rua também são e têm o direito a reparação”, explica Verônica.

Com solidariedade, o povo constrói

A nova casa será construída no terreno da família, mais distante da cidade e longe de rejeitos. É uma área rural, aonde a lama não chegou nem pelos caminhões das empresas.

Douglas está animado em morar na roça e lembra o movimento na porta de casa e da dificuldade de conviver com a poeira. “Aqui na porta chegava a ter trânsito de caminhão e máquina. Era o tempo todo esse vai e vem de maquinário, barulho e terra. Os caminhões passavam e a terra voava toda para dentro de casa. Agora não vai ter mais isso, lá não passa nenhum carrão das empresas” afirmou.

As crianças, acostumadas a ter liberdade de brincar na rua, não podiam mais sair de casa. “Criança pequena, com esse tanto de gente estranha e carro passando aqui na porta, não podia sair na rua não, era perigoso”, lembra o pai. Julia, a filha mais velha, conta que eles estão felizes em ter liberdade pra brincar, seguida do grito animado do Marcelo, o mais novo: “vai ter muita coisa pra fazer lá!”.

A casa nova tem 117,5m² contando com a varanda. Terá três quartos, uma sala, uma cozinha, um banheiro e uma área de serviço. A parte da casa que Marcelo mais gostou foi o seu quarto, “vou ter um quarto só pra mim”. Pra Hellem, o quarto que vai dividir com a irmã é o cômodo preferido. Júlia conta que a melhor parte da casa vai ser a cozinha “porque lá tem comida!”, animou-se.

O lote da família tem plantações de couve, cebolinha, mostarda, alface, pé de limão, mexerica e tomate. Além do espaço, a família vai ter a oportunidade de produzir o próprio alimento no quintal de casa.

O projeto da casa foi feito pelo GEPSA, Grupo de Estudos e Pesquisa Socioambiental da UFOP, que atua na defesa dos direitos das pessoas atingidas para garantir a reparação integral dos danos sofridos pelos atingidos com o crime. Tatiana Ribeiro é professora de direito na universidade e coordenadora do GEPSA. Junto com Observatório do Reassentamento: rede de ações e apoio aos atingidos nos municípios de Mariana e Barra Longa, coordenado pela professora Arquitetura e Urbanismo Karine Gonçalves, os grupos assessoram tecnicamente a construção da casa.

De acordo com Tatiana, a parceria com o MAB vem de longa data, com o acompanhamento das consequências do crime, na elaboração dos planos de defesa e garantia de direitos dos atingidos. “Fazemos um projeto com o povo, e não para e nem sobre eles. Não estudamos o povo e não elaboramos nada para eles. É sempre em conjunto”, afirmou.

Atingidos realizam Jornada de Lutas

O crime da Vale, Samarco e BHP Billiton na bacia do rio Doce completa 4 anos no dia 5 de novembro e até hoje os atingidos não tiveram uma reparação adequada, convivendo com problemas de saúde, falta de trabalho, contaminação da água e diversas outras consequências.

A construção da casa é parte da Jornada de Luta dos Atingidos: A Vale Destrói O Povo Constrói, realizada pelos atingidos e atingidas organizados no MAB, com o objetivo de denunciar os crimes dos rompimentos das barragens de Fundão em Mariana, e Córrego do Feijão em Brumadinho.

A responsabilidade de custeio de toda a reparação é das empresas criminosas, mas uma reparação de fato integral só é possível com o protagonismo da população atingida. “A construção da casa é uma ação de enfrentamento a Renova e às empresas, por isso vamos fazer com campanhas de arrecadação, mostrando que a solidariedade tem força e que não é difícil construir casas. O que falta é vontade por parte dessas empresas”, afirma Letícia, do MAB.

A arrecadação já começou, com caixinhas espalhadas por todo o país que levam o lema “Doe um Tijolo”, e pela plataforma online de financiamento coletivo Catarse. A campanha pode ser encontrada no link: catarse.me/opovoconstroi.

A Jornada de Luta dos Atingidos segue até janeiro de 2020, com marchas e eventos de luta em denúncia aos 4 anos do crime na bacia do rio Doce e 1 ano do crime no rio Paraopeba.


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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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