Carta de Correntina ao Governador da Bahia Rui Costa

Através de uma carta ao Governo do Estado da Bahia, organizações sociais e ribeirinhos de Correntina posicionam-se sobre o conflito pela água na região Oeste

Foto: Bruno Ferrari / MAB

Rio Corrente, 01 de dezembro de 2017

Vossa Excelência Governador Rui Costa,

Nós organizações e movimentos sociais do Brasil e da Bahia, reunidos com os mais de 5 mil trabalhadoras e trabalhadores, no dia 01 de dezembro de 2017 em Correntina, denunciamos em Audiência Pública convocada pelo Ministério Público Estadual o uso insustentável da água pelo agronegócio na região e a omissão do Estado da Bahia diante de tal situação.

É público e notório que o conflito em Correntina pelo controle das terras e da água se dá entre a população do município e as grandes empresas grileiras e irrigantes desde a década de 70, pistoleiros contratados por essas empresas já retiraram vidas, como do advogado Eugênio Lyra e do camponês Zeca de Rosa.

Conflito este que já destruíram pelo menos 17 riachos do Rio Arrojado devido ao uso excessivo de água para atender a ganancia das empresas multinacionais. Que a fazenda japonesa Igarashi segue essa lógica de exploração estando outorgada junto ao Instituto Estadual de Meio Ambiente (INEMA) para sugar 182.203.000 litros de água por dia, o que daria para abastecer em torno de 1.822.030 famílias por dia no semiárido brasileiro.

Tal realidade não é exclusiva do município de Correntina, este é um dos mais de 100 empreendimentos de igual ou maior porte que atuam em toda a região do Oeste da Bahia. Dados do Comitê da bacia do rio Corrente apontam que cinco grandes outorgas autorizadas entre 2015 e 2016 utilizam um total de 290.191.000 litros de água por dia. O valor é equivalente ao abastecimento para toda a população de Correntina, rural e urbana, durante 73 dias, ou para todo o município de Brasília por um dia.

Ademais, a problemática têm sido denunciada insistentemente pelas organizações e movimentos sociais da região, pelo Comitê de Bacias e o Ministério Público Estadual, diretamente a diretora geral do INEMA Márcia Telles, ao ex-secretário de Meio Ambiente Eugênio Spengler e ao atual Secretário de Meio Ambiente Geraldo Reis, mesmo assim o estado tem se omitido diante dos fatos e mantido as outorgas de uso da água e supressão vegetal do bioma cerrado inclusive sobre áreas com denúncia de crime ambiental e grilagem de terras públicas.

Que apesar desses fatos o governo do estado têm tratado o conflito social como caso de polícia, cedendo às pressões dos setores do agronegócio e da bancada ruralista, mobilizando um forte aparato de repressão, militar e civil criminalizando a luta histórica de trabalhadoras e trabalhadores pelo direito humano fundamental à água.

Há denúncias de arbitrariedades que vêm sendo cometidas pelas autoridades locais durante a condução do Inquérito Policial instaurado. Dentre os abusos, são relatados abordagens autoritárias, inclusive entre menores, para coletar informações sobre endereços e realizar a intimação para depoimentos; intimações realizadas poucas horas antes da marcada para depoimento, não fornecendo tempo hábil para comparecimento, impossibilitando o acompanhamento do ato por um/a defensor/a; constrangimento ilegal de menores para receberem intimações por parentes; abuso de autoridade por parte dos delegados, no que tange à condução dos depoimentos, com o uso de ameaças de prisão, gritos e socos na mesa como via de intimidação das testemunhas; além da utilização de viaturas e helicópteros para intimidar a população local.

Os fatos apresentados são graves e o estado baiano tem grande responsabilidade no que vêm ocorrendo, a população da região Oeste tem sido vítima do modelo agroexplorador que ameaça, oprime e mata. Preocupa-nos postura parcial do governo que recentemente se reuniu com cinco associações de grandes irrigantes da região mas tem se negado a dialogar com moradores, organizações e movimentos sociais que querem ser ouvidas.

Assim, reiteramos nossa solicitação de Audiência com Vossa Senhoria para tratar dos temas relacionados as outorgas de água e supressão vegetal concedidos na região; a necessidade da constituição de um Plano de Bacias para todo Oeste baiano; a questão fundiária, grilagem, regularização fundiária das comunidades tradicionais; apuração dos abuso de autoridade das polícias civil e militar e das denúncias de pistoleiros na região.

Certos de vossa atenção e compreensão, aguardamos vossa resposta com brevidade.

Águas para vida e não para morte!!!

Ninguém vai morrer de sede nas margens dos Rios do Oeste!!!

Sem cerrado, sem água, sem vida!!!


Assinam:

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR

Associação Comunitária de Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores – ACEFARCA

Associação Comunitária dos Pequenos Criadores do Fecho de Pasto de Clemente – ACCFC

Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos de São Paulo

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Comissão Pró-Índio de São Paulo

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – CBDDDH

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC

Consulta Popular

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ

Federação Nacional dos Urbanitários – FNU

Federação Única dos Petroleiros – FUP

Fórum Alternativo Mundial da Água

Fórum Baiano da Agricultura Familiar

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

Frente Brasil de Juristas pela Democracia

Grupo de Pesquisa GeograFAR – POSGEO/PPGE-UFBA

Levante Popular da Juventude

Movimento Colombiano Rios Vivos

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Plataforma Operária e Camponesa de Energia

Rede de Médicos Populares

Rede Jubileu Sul do Brasil

Serviço Pastoral dos Migrantes -SPM

Sindicato dos Eletricitários da Bahia – SINERGIA BA

Sindicato dos Engenheiros da Bahia – SENGE

Sindicato dos Petroleiros da Bahia – Sindipetro

Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia – APUB

Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia – SINDAE

Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de Correntina – Sindtec

 

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