Carta de Correntina ao Governador da Bahia Rui Costa
Através de uma carta ao Governo do Estado da Bahia, organizações sociais e ribeirinhos de Correntina posicionam-se sobre o conflito pela água na região Oeste
Publicado 19/12/2017 - Atualizado 21/08/2024
Rio Corrente, 01 de dezembro de 2017
Vossa Excelência Governador Rui Costa,
Nós organizações e movimentos sociais do Brasil e da Bahia, reunidos com os mais de 5 mil trabalhadoras e trabalhadores, no dia 01 de dezembro de 2017 em Correntina, denunciamos em Audiência Pública convocada pelo Ministério Público Estadual o uso insustentável da água pelo agronegócio na região e a omissão do Estado da Bahia diante de tal situação.
É público e notório que o conflito em Correntina pelo controle das terras e da água se dá entre a população do município e as grandes empresas grileiras e irrigantes desde a década de 70, pistoleiros contratados por essas empresas já retiraram vidas, como do advogado Eugênio Lyra e do camponês Zeca de Rosa.
Conflito este que já destruíram pelo menos 17 riachos do Rio Arrojado devido ao uso excessivo de água para atender a ganancia das empresas multinacionais. Que a fazenda japonesa Igarashi segue essa lógica de exploração estando outorgada junto ao Instituto Estadual de Meio Ambiente (INEMA) para sugar 182.203.000 litros de água por dia, o que daria para abastecer em torno de 1.822.030 famílias por dia no semiárido brasileiro.
Tal realidade não é exclusiva do município de Correntina, este é um dos mais de 100 empreendimentos de igual ou maior porte que atuam em toda a região do Oeste da Bahia. Dados do Comitê da bacia do rio Corrente apontam que cinco grandes outorgas autorizadas entre 2015 e 2016 utilizam um total de 290.191.000 litros de água por dia. O valor é equivalente ao abastecimento para toda a população de Correntina, rural e urbana, durante 73 dias, ou para todo o município de Brasília por um dia.
Ademais, a problemática têm sido denunciada insistentemente pelas organizações e movimentos sociais da região, pelo Comitê de Bacias e o Ministério Público Estadual, diretamente a diretora geral do INEMA Márcia Telles, ao ex-secretário de Meio Ambiente Eugênio Spengler e ao atual Secretário de Meio Ambiente Geraldo Reis, mesmo assim o estado tem se omitido diante dos fatos e mantido as outorgas de uso da água e supressão vegetal do bioma cerrado inclusive sobre áreas com denúncia de crime ambiental e grilagem de terras públicas.
Que apesar desses fatos o governo do estado têm tratado o conflito social como caso de polícia, cedendo às pressões dos setores do agronegócio e da bancada ruralista, mobilizando um forte aparato de repressão, militar e civil criminalizando a luta histórica de trabalhadoras e trabalhadores pelo direito humano fundamental à água.
Há denúncias de arbitrariedades que vêm sendo cometidas pelas autoridades locais durante a condução do Inquérito Policial instaurado. Dentre os abusos, são relatados abordagens autoritárias, inclusive entre menores, para coletar informações sobre endereços e realizar a intimação para depoimentos; intimações realizadas poucas horas antes da marcada para depoimento, não fornecendo tempo hábil para comparecimento, impossibilitando o acompanhamento do ato por um/a defensor/a; constrangimento ilegal de menores para receberem intimações por parentes; abuso de autoridade por parte dos delegados, no que tange à condução dos depoimentos, com o uso de ameaças de prisão, gritos e socos na mesa como via de intimidação das testemunhas; além da utilização de viaturas e helicópteros para intimidar a população local.
Os fatos apresentados são graves e o estado baiano tem grande responsabilidade no que vêm ocorrendo, a população da região Oeste tem sido vítima do modelo agroexplorador que ameaça, oprime e mata. Preocupa-nos postura parcial do governo que recentemente se reuniu com cinco associações de grandes irrigantes da região mas tem se negado a dialogar com moradores, organizações e movimentos sociais que querem ser ouvidas.
Assim, reiteramos nossa solicitação de Audiência com Vossa Senhoria para tratar dos temas relacionados as outorgas de água e supressão vegetal concedidos na região; a necessidade da constituição de um Plano de Bacias para todo Oeste baiano; a questão fundiária, grilagem, regularização fundiária das comunidades tradicionais; apuração dos abuso de autoridade das polícias civil e militar e das denúncias de pistoleiros na região.
Certos de vossa atenção e compreensão, aguardamos vossa resposta com brevidade.
Águas para vida e não para morte!!!
Ninguém vai morrer de sede nas margens dos Rios do Oeste!!!
Sem cerrado, sem água, sem vida!!!
Assinam:
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR
Associação Comunitária de Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores – ACEFARCA
Associação Comunitária dos Pequenos Criadores do Fecho de Pasto de Clemente – ACCFC
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos de São Paulo
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – CBDDDH
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Consulta Popular
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
Federação Única dos Petroleiros – FUP
Fórum Alternativo Mundial da Água
Fórum Baiano da Agricultura Familiar
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Frente Brasil de Juristas pela Democracia
Grupo de Pesquisa GeograFAR – POSGEO/PPGE-UFBA
Levante Popular da Juventude
Movimento Colombiano Rios Vivos
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Plataforma Operária e Camponesa de Energia
Rede de Médicos Populares
Rede Jubileu Sul do Brasil
Serviço Pastoral dos Migrantes -SPM
Sindicato dos Eletricitários da Bahia – SINERGIA BA
Sindicato dos Engenheiros da Bahia – SENGE
Sindicato dos Petroleiros da Bahia – Sindipetro
Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia – APUB
Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia – SINDAE
Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de Correntina – Sindtec