Levanto sem ter o que fazer e aonde ir, relata pescador atingido pela lama da Samarco
Relato aconteceu no segundo dia da caravana Lula por Minas Gerais , em Governador Valadares. Por Joana Tavares/ Brasil de Fato Em Governador Valadares (MG), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da […]
Publicado 25/10/2017
Relato aconteceu no segundo dia da caravana Lula por Minas Gerais , em Governador Valadares.
Por Joana Tavares/ Brasil de Fato
Em Governador Valadares (MG), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pegou o microfone antes da sua vez de discursar para perguntar ao pescador Vininho Nogueira, que estava no palco representando os outros trabalhadores afetados pelo rompimento da barragem de Fundão, há quanto tempo ele praticava o ofício.
Foto: Mídia Ninja
O gesto simboliza a intenção do ex-presidente de ver de perto a realidade do povo mineiro, na segunda fase da Caravana Lula pelo Brasil. Vininho, que há 40 anos pesca por prazer e há 15 profissionalmente, não se fez de rogado e aproveitou a oportunidade para criticar a Samarco e sua principal acionista brasileira, a mineradora Vale, pela sua política ineficaz e insuficiente de tentar reparar os imensos danos causados com a invasão de lama e rejeitos da mineração no dia 5 de novembro de 2015.
Eles me pagam uma compensação de R$ 1.300 por mês de danos morais. Primeiro, que eu não ganhava só isso pescando. Segundo, que danos morais acontecem todo dia. Levanto sem ter o que fazer, sem ter aonde ir, tenho que comprar água para poder beber e cozinhar. Tudo isso são danos morais, o tempo inteiro, exemplifica. Se fossemos nós que tivéssemos feito qualquer tipo de dano, certamente não pagaríamos só isso. Então por que recebemos tão pouco? Valemos menos que eles?, questiona.
Assim como Vininho, o indígena krenak Giovani e o dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, lembraram que o momento era de celebração pela visita do ex-presidente e sua comitiva, mas também de tristeza e luta, pela morte de um rio inteiro, o Rio Doce, devastado pelo avanço de rejeito de mineração sobre a bacia.
A tragédia destruiu completamente o distrito de Bento Rodrigues, na região de Mariana, e devastou tantos outros, como Paracatu de Baixo. Dezenove pessoas morreram, uma mulher perdeu o seu bebê que esperava em aborto forçado, um ecossistema inteiro foi afetado e centenas de vidas foram diretamente atingidas. A quase dois anos do acontecido, até hoje ninguém foi responsabilizado judicialmente pelo caso e pouquíssimas multas foram pagas.
Na bacia do rio, em Valadares, a caravana Lula foi recepcionada por cruzes e palavras de ordem, em um esforço de não esquecer a agonia que não passa.
Aline Ruas, da coordenação do MAB em Minas Gerais, fez parte da organização da mística, e afirmou que, hoje, nem o governo estadual nem o federal ouvem os atingidos. Não estamos tendo direito de dizer o que é nosso direito. Estamos reivindicando participação popular, inclusive se Lula voltar à presidência, em todos os processos. Só assim conseguimos fazer pressão para que os governos assumam seu papel, inclusive aqui, para que seja reconhecido que ocorreu um crime, disse.
É preciso investir para recuperar o rio
Em seu discurso, Lula chamou atenção para a certeza de impunidade que cerca os responsáveis pelo crime. Até agora a empresa não deu uma explicação convincente do que aconteceu aqui. Ela fazia fiscalização? E como não viu isso acontecer?”, criticou. Ele disse ainda que a região não precisa apenas de tempo para que a bacia volte ao normal, mas prioritariamente de recursos, para que seja possível recuperar a qualidade da água e a vida as pessoas que dependem dela, assim como a fauna e a beleza.
O ex-presidente concluiu sua fala destacando ainda a importância de políticas para garantir a autonomia das mulheres e a criação de oportunidades para que os pobres possam fazer o que quiserem. É só dar oportunidade, porque inteligência eles têm, afirmou.
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB, avalia que o ato foi importante para a região, e contou com a presença de diversos movimentos populares, comunidades ribeirinhas, pescadores e povos indígenas.
Lula ressaltou que o crime não pode ficar impune. Foi um ato muito bom no sentido de aumentar a força popular, a esperança de construir não só a vida no Rio Doce, mas um projeto de país. Precisamos acabar com o golpe e construir força organizada para fazer as transformações necessárias no país, acredita.