Características centrais da energia privatizada

Este artigo possui tópicos de análise sobre a organização da indústria de eletricidade no Brasil e a estratégia de tornar a eletricidade no principal negócio que sustenta o ganho dos […]

Este artigo possui tópicos de análise sobre a organização da indústria de eletricidade no Brasil e a estratégia de tornar a eletricidade no principal negócio que sustenta o ganho dos setores empresariais que dominam a energia elétrica do país.

Por Gilberto Cervinski 

A partir da realidade brasileira, com predomínio da hidroeletricidade, verifica-se uma grande contradição. O setor elétrico nacional produz energia através de fontes consideradas de menor custo de produção, no entanto as tarifas finais aos consumidores situam-se nos níveis mais altos mundialmente, gerando lucros extraordinários. Esta contradição é resultado e consequência do chamado modelo de mercado, onde a eletricidade foi privatizada e transformada em uma mercadoria com preços internacionalizados.

Até início de 1990, a energia era propriedade estatal sob o regime de monopólio, uma única empresa produzia, transportava e distribuía a energia. Através das estatais o Brasil organizou um dos melhores e mais eficientes setores de energia do mundo. As tarifas eram baseadas no custo de produção real do sistema.  Os interesses do capital para a acumulação de valor eram atendidos por negócios anteriores à produção da eletricidade através de consultorias, financiamentos, fornecimento de máquinas e equipamentos, construção das obras, etc., e posteriores, como o fornecimento de energia barata à indústria eletrointensiva de grande consumo de energia.

A partir dos anos 90 os “serviços públicos”, foram submetidos a profundas transformações nas suas estruturas organizacionais, a qual retira o Estado e repassa ao regime de propriedade privada através das privatizações, convertendo direitos historicamente conquistados pela luta da classe trabalhadora em mercadorias com preços internacionais.

A indústria de eletricidade transformou a energia em seu principal negócio, na principal mercadoria capaz de resgatar as taxas de lucratividade neste setor. E as tarifas cobradas mensalmente sobre a população passou a ser a sustentação da espoliação.

A nova estrutura da política de organização da indústria de eletricidade brasileira, chamado modelo de mercado, foi hegemonizada pelo capital internacional com predomínio do capital financeiro. Para transformar a energia como mercadoria principal o setor foi organizado com as seguintes características:

a)   A energia passou para o controle privado.

Através das privatizações a energia foi transferida e virou propriedade privada do capital internacional, com hegemonia dos banqueiros, transnacionais e fundos internacionais de investimentos. As estatais também foram capturadas pelo capital e obrigadas a assumir modelo de gestão privado, priorizando a extração máxima de valor e remessa de dividendos. Desta forma, a extraordinária geração de riqueza produzida pela alta produtividade do trabalho dos trabalhadores é capturada pelo capital e remetida integralmente para acumulação e reprodução do capital privado internacional.

b)   Impuseram a lógica de organização do sistema financeiro.

A característica principal desta nova (des)organização é o fracionamento em vários segmentos de negócios – geração, transmissão, distribuição, comercialização e a divisão em consumidores livres e cativos – criando condições de atender o mercado financeiro para explorar e especular ao máximo. Todos capitalistas integrantes em cada empreendimento tem seu lucro assegurado. O objetivo é reduzir o tempo de rotação de capital e a base de sustentação é assegurada pela sua receita e esta pelas tarifas finais aos consumidores. 

c)    A eletricidade foi transformada na principal mercadoria com preços internacionais. 

Instituíram uma política tarifária centrada em resguardar o “equilíbrio econômico financeiro” (lucratividade) do empreendimento através de quatro tipos de aumentos nas contas de luz ao povo: reajuste anual, revisão tarifária periódica, revisão tarifária extraordinária e bandeiras tarifárias.

O “sistema tarifário” de mercado permitiu elevar as tarifas aos preços internacionais, baseadas na condição de geração térmica a partir dos combustíveis fósseis, predominante no mundo. No entanto, a realidade brasileira possui predomínio de fonte hídrica, de menor custo de produção.

Assim, a mercadoria eletricidade se transformou no principal negócio para sustentar a reprodução do capital e gerar lucros extraordinários à totalidade dos empresários.

d)   Criaram uma estrutura de leis e instituições de Estado a serviço do capital

Para garantir o modelo, criaram leis e instituições políticas de Estado totalmente capturadas e subordinadas ao capital, onde os agentes empresariais decidem a taxa de lucratividade no interior do Estado e a população é obrigada a sustentar seus lucros através das tarifas finais cobradas mensalmente na “conta de luz”.

e)    Impuseram uma reestruturação do trabalho para intensificar a exploração e reduzir direitos

Impuseram uma estratégia que intensifica a exploração e o fracionamento dos trabalhadores para aumentar a produção e extração de valor. As novas regras fazem os trabalhadores trabalhar mais, produzir mais e ganhar menos. A estratégia visa rebaixar os ganhos da categoria através da redução de postos de trabalho, aumento de jornada, intensificação do trabalho, precarização e redução de direitos.

Os atingidos pelas obras foram transformados em vítimas de um padrão nacional de violações de direitos humanos. Os direitos se transformaram em negócio das empresas que, para aumentar seus lucros, buscam reduzir ao máximo os gastos com os atingidos.

Por fim, é importante destacar que o baixo custo de produção, alta produtividade do trabalho, a importância estratégica da energia, a condição de produção brasileira baseada majoritariamente na hidroeletricidade e a internacionalização da tarifa proporciona uma situação altamente vantajosa ao capital na extração de valor, quando comparado com os demais países. A busca pela apropriação privada do lucro e riqueza gerada neste setor transformou-se em um dos fatores centrais na disputa pelo controle das fontes e dos excedentes da indústria elétrica brasileira.

Nosso conhecimento sobre a realidade social na questão energética entende a energia como produto do trabalho humano, produto dos trabalhadores e das trabalhadoras. A luta por um projeto energético popular entende que o problema central na energia é a mudança na totalidade da política energética, do modelo energético. Apesar de sua importância, é insuficiente restringir a saídas tecnológicas (de matriz). Atuar na política energética pressupõe incidir decisivamente no planejamento, na organização, no controle da produção e distribuição da energia, da riqueza gerada e no controle sobre as reservas estratégicas de energia que possuem base de elevada produtividade. A água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular representa a síntese do projeto que defendemos.

*Gilberto Carlos Cervinski é membro da coordenação do MAB e mestrando em Energia pela UFABC.

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