Christian Aid lança relatório sobre o escândalo da desigualdade na América Latina e Caribe
Há 70 anos entidade britânica contribui no combate à pobreza com o fortalecimento de comunidades em situação de vulnerabilidade ao redor do mundo A pesar dos avanços da última década, a […]
Publicado 30/03/2017
Há 70 anos entidade britânica contribui no combate à pobreza com o fortalecimento de comunidades em situação de vulnerabilidade ao redor do mundo
A pesar dos avanços da última década, a América Latina e o Caribe continuam sendo as regiões com maior desigualdade social do mundo. Essa é a principal tônica do relatório O Escândalo da Desigualdade: as múltiplas caras da desigualdade na América Latina e Caribe, lançado pela Christian Aid na última quarta-feira, 22 de março.
O relatório apresenta um diagnóstico feito pela Christian Aid a partir de sua experiência no fortalecimento de comunidades em situação de vulnerabilidade em diferentes países da região. A entidade é uma organização britânica ecumênica, que trabalha há 70 em cooperação com movimentos sociais e organizações da sociedade civil ao redor do mundo.
O último relatório havia sido lançado em 2012 e, de acordo com a Christian Aid, a região tem experimentado algumas mudanças positivas, mas apesar de muitos terem saído da pobreza, a riqueza e a desigualdade se mantém e a região continua sendo a mais desigual do mundo.
De acordo com o novo documento, a ascensão de governos progressistas retirou, desde 2003, mais de 72 milhões de pessoas do nível da pobreza. Mais empregos, incrementos dos salários mínimos, medidas políticas para aumentar o gasto público (principalmente nos programas de transferência de renda) e melhores condições na educação primária tem sido importantes para essa mudança.
Todavia, além do modelo de desenvolvimento desse período ter gerado uma série de novos problemas sociais e violações de direitos humanos, o continente está passando por uma inflexão política nos últimos dois anos.
De acordo com o relatório, o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil, a eleição de Mauricio Macri na Argentina, o controle da Assembleia Nacional pela oposição na Venezuela, a eleição de um antigo banqueiro de investimentos no Peru e o não no referendo sobre o processo de paz na Colômbia apontam para um retrocesso nas tendências progressistas observadas na região nos últimos anos.
O documento cita os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que calcula em 1,7 milhão as pessoas que voltaram para a situação de pobreza somente em 2014. No ano passado, outro 1,5 milhão de pessoas também retornou à situação de pobreza na América Latina e Caribe.
O aumento da desigualdade econômica também se reflete nos aspectos sociais. O relatório se debruça sobre as conseqências da não distribuição de renda na vida das mulheres, dos negros e negras, dos quilombolas e dos indígenas.
Com enfoque especial na questão de gênero, o documento traz dados referentes à violência sofrida pelas mulheres. Na Bolívia, por exemplo, 50% das mulheres declararam experimentar violência física ou sexual por parte de seu companheiro sentimental. No Brasil, 52% dos juízes e policiais não acreditam que esse tipo de violência seja um problema. O relatório também traz dados e análise acerca das desigualdades étnicas, na participação política, no âmbito fiscal, no mundo do trabalho, no acesso à energia e os impactos trazidos pelas mudanças climáticas.
Cooperação com as populações atingidas
Há vários anos a Christian Aid é parceira do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no combate às violações de direitos humanos decorrentes da construção de barragens no Brasil e as desigualdades perpetuadas pelo atual modelo energético. No relatório consta dois projetos, realizados em parceria com a entidade, focados no combate à desigualdade de gênero.
Também junto com a ONU Mulheres, o MAB implantou um programa de avaliações participativas com mulheres atingidas por barragens no estado de Rondônia. As diversas atividades e diagnósticos mostraram que as mulheres são ainda mais afetadas e estão mais vulneráveis aos efeitos causados pelo planejamento, construção e operação de barragens, pois enfrentam uma carência maior nas oportunidades de empregos, por serem deslocadas de suas terras até áreas urbanas sem planos de inserção no mercado de trabalho. Além de sofrerem com o rompimento dos laços comunitários e familiares e dificuldade de acesso a políticas públicas. Também foi concluído com o programa que as mulheres são excluídas dos processos de tomadas de decisão sobre seu futuro.
Além disso, o MAB também realizou um trabalho junto a comunidades atingidas pelo complexo hidrelétrico planejado para o rio Tapajós, no Pará. Apenas a Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós terá uma capacidade de 8.040 MW de eletricidade, com energia firme estimada em 4.000 MW. As cerca de 40 hidrelétricas projetadas para a região podem inundar parte do território indígena do povo Munduruku e causar seu deslocamento, o que é proibido por lei.
Em parceria com a Christian Aid e com o apoio da União Europeia, o MAB está realizando um trabalho com as mulheres ameaçadas por estes projetos para que influenciem suas comunidades e os poderes locais para impedir a construção dessas barragens e para garantir seus direitos. Uma conquista deste trabalho foi a suspensão da licença do projeto da UHE São Luiz do Tapajós, em 2016, apesar da decisão não garantir o cancelamento definitivo do projeto.
De acordo com o MAB, a parceria com a Christian Aid tem sido fundamental para o fortalecimento do movimento junto à população atingida por barragens no Brasil.