Belo Monte: sem casa nem lar

Matéria publicada na edição nº27 do Jornal do MAB | Outubro de 2015 Carla procura uma sombra para sentar-se enquanto Jesus continua a dar marretadas nas tábuas que até a […]

Matéria publicada na edição nº27 do Jornal do MAB | Outubro de 2015

Carla procura uma sombra para sentar-se enquanto Jesus continua a dar marretadas nas tábuas que até a noite anterior eram as paredes da casa do casal. A cada golpe, as palafitas balançam. Carla está grávida de oito meses e tinha esperança de dar à luz antes de ter de se mudar da rua Bonfim. Mas a Norte Energia não aguenta mais esperar para evacuar toda a área da cidade de Altamira que deve dar lugar ao lago de Belo Monte.

O caminhão chega ao local antes das 8h.

– Ainda temos 400 mudanças para fazer – comenta um dos trabalhadores da empresa, enquanto vai colocando no caminhão um fogão, uma geladeira, caixas com pertences diversos e por último o cachorro Spike.

Carla e Jesus em frente à sua casa, na rua Bonfim, bairro Boa Esperança (FOTO: Rogério Soares)

O número de famílias por remover ainda era bastante alto naquela sexta-feira, 26 de setembro, em especial considerando que, na previsão da Norte Energia, no dia 15 de setembro o Ibama daria a licença de operação da hidrelétrica, autorizando o início da geração de energia.

Surpreendentemente, o Ibama negou a licença. Além da mudança das famílias, o atraso notável se dá no desmatamento na área do lago, nas remoções na área rural, na construção dos reassentamentos e nas obras de saneamento básico – na cidade de Altamira, por exemplo, a situação beira à calamidade, pois o esgoto pode ser jogado direto no lago da hidrelétrica.

Após mais de um ano de lutas do MAB, a família de Carla e outras 400 conseguiram ser cadastradas pela Norte Energia. Elas haviam sido excluídas do primeiro cadastro, que calculou 7.790 famílias na área urbana de Altamira. Apesar disso, para as 400 novas cadastradas nunca foi oferecida a possibilidade de reassentamento, apenas indenização. Por isso, Carla e Jesus receberam menos de R$ 30 mil, o que não garante uma nova casa na cidade de Altamira. Sem alternativas, pegaram o dinheiro para construir nova vida em uma comunidade rural chamada Quatro Bocas, no Assurini, em um lote aonde a energia elétrica ainda não chegou.

Belo Monte, que deve ser a maior hidrelétrica em solo nacional, é uma geradora de sem-tetos. Algumas famílias utilizaram a indenização para dar entrada em um terreno, outras se lamentam por serem obrigadas a gastar o dinheiro em aluguel.

– Vocês não se esqueçam da Leila, ela vai ficar sozinha aí. – adverte Carla. Todas as famílias da vizinhança, aos poucos foram aceitando a indenização. Só Leila resistia a negociar. Mas pressão era cada vez maior sobre os remanescentes, já que a energia da área já havia sido cortada e o fornecimento de água ficou precário. [devido à resistência de Leila, a Norte Energia acabaria reconhecendo seu direito a uma outra casa e, na semana seguinte, ela se mudaria para o “reassentamento” Laranjeiras]

Enquanto Carla e o menino Jonatan partiram no carro da mudança, Jesus fica para trás desmontando a casa. A Norte Energia não garantiria o transporte da madeira para a nova moradia e ele se apressava em tentar vender as tábulas que sobraram. Antes de partir, Carla grava um último recado para essa reportagem:

– Se hoje eu estou fazendo a minha mudança, foi depois de muita luta junto com os meninos do MAB. Estou com o coração na mão porque alguns companheiros vão ficar para trás, mas nós não vamos esquecer deles. Eu estou indo embora, mas a gente tem que continuar lutando, não é? 

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 29/10/2015

Os esquecidos por Belo Monte