O verdadeiro golpe é fazer o governo ceder em suas políticas, afirma dirigente popular
Para o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli, há interesses externos por trás da criação de cenário de crise. Por Joana Tavares, do Brasil de Fato […]
Publicado 19/08/2015
Para o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli, há interesses externos por trás da criação de cenário de crise.
Por Joana Tavares, do Brasil de Fato
A conjuntura política está agitada. De um lado, setores da direita e de oposição ao governo federal pressionam para desgastar cada vez mais o PT e ver suas propostas aprovadas. De outro, setores da esquerda social buscam se articular para tentar barrar a tentativa de golpe, contra a retirada de direitos e para pressionar por mudanças progressistas.
Joceli Andreoli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da articulação Quem Luta Educa – que reúne movimentos sociais e sindicais de Minas Gerais -, acrescenta ao cenário político o interesse do grande capital na América Latina, em especial na Petrobras e no pré-sal, no caso brasileiro.
Leia a entrevista:
Brasil de Fato – Temos ouvido falar muito em crise -crise econômica, crise política. De onde vem essa crise? Ela poderia explicar um pedido de retirada de Dilma da presidência?
Joceli Andreoli – Existe uma crise do capitalismo, do ponto de vista internacional. Talvez uma das crises de maior contradição, porque há um grau de concentração muito grande de riqueza. Por exemplo, hoje, 80 pessoas têm a mesma riqueza que 3,5 bilhões de seres humanos. Essa crise, principalmente nos países centrais, faz com que a disputa se acirre na América Latina. O que está acontecendo no Brasil faz parte de uma estratégia construída pelos Estados Unidos para se recolocar na América Latina. Essa estratégia começou a ser implementada com mais força a partir de 2012, percorreu as eleições de 2014, quando houve um claro apoio ao PSDB como forma de reverter políticas sociais, e segue. Essa estratégia impulsiona a crise econômica por uma ação política. Cria-se uma crise política para paralisar o Brasil economicamente.
Como a operação Lava Jato entra nesse contexto?
A Lava Jato é uma operação montada para atingir economicamente o país e não simplesmente para discutir a corrupção. E ela está atingindo seu objetivo, porque paralisa as construtoras nacionais, atinge a imagem do Partido dos Trabalhadores com o tema da corrupção e desgasta a principal empresa pública do país, a Petrobras. A Petrobras é responsável por garantir, a partir da exploração do pré-sal, um novo desenvolvimento da indústria no país, com regras que garantem a preferência pela indústria nacional. Garante ainda a renda do pré-sal para programas sociais, como os royalties para saúde e educação. A Petrobras é uma empresa com grande capacidade técnica e tecnológica e passa a ser a grande empresa de disputa do petróleo no momento. É a única que detém a tecnologia de exploração do pré-sal.
Na sua avaliação, há possibilidade de golpe?
Não podemos descartar essa possibilidade. No entanto, não está colocado um golpe do ponto de vista de derrubar a presidenta, mas uma artimanha para colocar o governo refém, para que ele vá cedendo em suas políticas sociais, para que se desgaste ao ponto de não ter mais condições de se eleger. Esse é o verdadeiro golpe: fazer o governo ceder em suas políticas. É um golpe sobre o povo brasileiro, que faz retroceder as políticas sociais em um momento em que o país poderia avançar. Essa crise não é real do ponto de vista do desenvolvimento econômico do Brasil. Há condições concretas de retomar as taxas de crescimento, inclusive contando com a renda do com o pré-sal.
É nesta perspectiva que se insere então o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) no Senado de mudança do regime de partilha do pré-sal? Há o risco de privatização da Petrobras com uma vitória do PSDB nas eleições?
Pode ser um caminho possível, mas além da privatização, o que eles querem mesmo é abrir o acesso ao pré-sal para petroleiras internacionais. E eles querem retirar o quanto antes o que tem lá. As regras que o Brasil construiu até aqui permitem inclusive a determinação do tempo de exploração do pré-sal, que é o tempo de desenvolvimento da indústria interna, o tempo para desenvolver a cadeia produtiva em torno do petróleo. Isso não é permitido na lógica do capitalismo internacional neste momento, porque significa uma política de proteção da indústria interna no Brasil em um momento de crise da indústria internacional. É isso que está em jogo. Se o PSDB ganhando a eleição, não necessariamente a Petrobras será privatizada. Eles podem conciliar a empresa com uma política de ampliação da exploração por petroleiras internacionais e com a regressão as regras da renda do pré-sal, que não necessariamente iriam para políticas sociais. Está ameaçado o destino da verba do pré-sal, está ameaçada a soberania do país e está colocado um processo de dependência do dólar cada vez maior. Podem tornar a empresa cada vez mais aberta a ações privadas. E o lucro passar a ser disputado por acionistas internacionais.
O que mais está em risco, além do patrimônio do pré-sal?
O Brasil viveu, nos últimos 12 anos, um processo em que se colocou pela primeira vez a possibilidade de se discutir como um país nação. Eu acho que foram criados os germes necessários para fazer um debate da construção da revolução nacional, por exemplo. O grande prejuízo de retroceder é perder essa possibilidade mais uma vez. Por isso o cerco ideológico. Há uma iniciativa muito clara da mídia em tornar o povo brasileiro um povo conservador, e ela acaba conseguindo isso, pois todo dia é feito um bombardeio na cabeça do povo, criando um ódio de classe cada vez maior. E isso é fundamental para abortar um projeto de unidade e construção de um projeto nacional. Outra questão é a ampliação dos direitos sociais e da própria democracia. Seria possível o país dar um salto na sua democracia nesse momento. Nesse momento, se coloca no Brasil essa contradição Mas novamente vemos que um retrocesso na política, na economia, gera retrocesso do ponto de vista social. Claro que o caminho que estamos percorrendo precisa ser suplantado pelos trabalhadores, no entanto, não existe condição real nesse momento de preparo da classe trabalhadora para dar esse salto, precisaria mais um tempo para construir uma estratégia popular e avançar no sentido das transformações estruturais da sociedade brasileira. Voltar a ter um retrocesso na política nesse momento significa também abortar essa possibilidade. E além de tudo vem um aumento da criminalização das organizações sociais, que não gera mais organização, pelo contrário, gera um retrocesso na organização da classe trabalhadora como um todo.
A direita está se colocando em ofensiva e organizou um ato de rua no dia 16 de agosto. As forças de esquerda chamam para outro ato, no dia 20. O que significam essas duas convocações?
As manifestações da direita, como essa do dia 16 de agosto, não têm nada a ver com os interesses do povo brasileiro. Não nos interessa retrocesso da democracia, não interessa a defesa de golpe ou volta dos militares. Essas atitudes conservadoras, reacionárias, não interessam ao povo. Elas interessam a uma minoria que vem pautando certa massa que é conduzida pelos meios de comunicação a ir pra rua. Há um sentimento legítimo de querer mais e esse sentimento é utilizado pela grande mídia para colocar muita gente na rua. O dia 16 serve a uma das últimas tentativas de um setor do PSDB, especialmente do Aécio Neves, que tem como estratégia principal o impeachment da presidenta Dilma. Já o dia 20 é de construção autônoma dos trabalhadores, dos movimentos sociais, das centrais sindicais, dos movimentos de juventude que querem mais do Brasil, um país diferente, voltado para o povo brasileiro e que, até o momento, não conseguimos conquistar. É um movimento de reivindicação por reformas estruturais em nosso país. Também é um ato para questionar os rumos que o governo tem adotado, como o ajuste fiscal. É um ato que reivindica a defesa da Petrobras porque percebe que o pré-sal e a Petrobrás são estratégicos para a construção do projeto de país. Coloca também a necessidade da reforma política para ampliação da democracia. Existe uma diferença enorme nessas duas datas, elas simbolizam uma divisão entre o retrocesso, o fascismo e o conservadorismo, por um lado, e a defesa do avanço popular do outro lado, com mais democracia, em defesa da soberania do povo, da construção de um projeto popular.
Como você avalia o papel do PT hoje e como essas forças de esquerda se relacionam com o governo petista?
Eu acredito que o PT não expresse mais o sentimento da sua militância. E eu acho que está cada vez mais provado que o PT não se coloca mais como um partido que tem a possibilidade de conduzir uma estratégia de avanço social e de transformações estruturais. No entanto, a militância do PT, os milhões que existem no Brasil, se colocam com ânimo para a possibilidade dessa construção. A militância, aqueles que muitas vezes não estão em cargo ou posto nenhum, se coloca de corpo e alma na luta social nesse momento. Está se reconfigurando um novo estilo no Brasil, em que a militância do PT vai além do próprio partido. Acho que esse é o momento positivo de possibilidade de construção de uma aliança, diversa, por isso uma frente, com militantes de muitas e diferentes organizações. Ou seja, está nascendo um germe para construirmos uma nova vanguarda de esquerda para fazer as tarefas que precisam ser feitas no Brasil.
Estão previstas para acontecer, em Belo Horizonte, duas agendas nacionais. No dia 4 de setembro, um encontro nacional da campanha do plebiscito por uma constituinte exclusiva para a reforma do sistema político e no dia 5, o seminário de lançamento da Frente Brasil Popular. O que são esses dois momentos e por que sua realização em Belo Horizonte?
O encontro do dia 4 é um marco importante na continuidade do debate, visto a necessidade de implementar a reforma política via uma Assembleia Constituinte. E também a conferência nacional da Frente Brasil Popular que defende um programa democrático. Creio que Minas foi escolhida porque o que aconteceu aqui, nos últimos 7, 8 anos, foi decisivo para ter um suspiro a mais no Brasil. Minas Gerais cumpriu um papel central ao derrotar Aécio Neves. O fato dele ter perdido aqui possibilitou um ânimo a mais nacionalmente e também uma desconfiança em setores que estavam em cima do muro. Vimos que o que o Aécio e o Anastasia divulgaram era tudo mentira, que o Estado foi sucateado, tem uma dívida enorme e não tem nada de choque de questão e sim crise fiscal, e uma precarização geral dos serviços públicos como um todo.
A articulação de movimentos sociais Quem Luta Educa segue atuante e compõe essa nova Frente Mineira Pelo Brasil? Quais são os próximos passos dessa frente popular mineira aqui no estado?
O próximo passo é a construção do dia 20, que é um calendário de luta colocado em todo o Brasil, e vai ser um marco concreto dessa articulação mais ampla. O dia 20 vai ser colocar a frente em funcionamento. Porque uma frente não se constrói só juntando siglas, ou tirando manifestos, ela se coloca quando tem capacidade de conduzir o povo na rua, influenciar e fazer a disputa na sociedade brasileira. Sem dúvida nenhuma, as próximas ações devem conter muito debate com a sociedade. Nós precisamos enfrentar o ataque ideológico plantado, semeado e mantido no Brasil pelas grandes elites através dos seus meios poderosos de comunicação.