Aécio fracassa ao falar sobre setor elétrico
Por Sergio da Motta e Albuquerque*, do Observatório da Imprensa Aécio Neves, o senador e agora candidato à Presidência da República pelo PSDB, não pôde evitar o sorriso sem graça […]
Publicado 18/06/2014
Por Sergio da Motta e Albuquerque*, do Observatório da Imprensa
Aécio Neves, o senador e agora candidato à Presidência da República pelo PSDB, não pôde evitar o sorriso sem graça e o desconcerto trazido pelas perguntas sobre o planejamento no setor elétrico que Renata Lo Prete (14/6), da GloboNews, dirigiu a ele no segundo bloco da entrevista que a jornalista fez com o político mineiro. Renata foi direto ao ponto ao afirmar com toda segurança que a oposição costuma criticar muito a atual administração quando o tema é a gestão do nosso sistema de geração e distribuição de energia.
Ela lembrou ao candidato que quando o PSDB esteve no poder federal, as tarifas explodiram muito acima da inflação, e um apagão, seguido de racionamento, decretou o fim prematuro do segundo governo Fernando Henrique. Logo depois veio a pergunta: O que os tucanos têm a ensinar nesta matéria, senador?
Aécio começou a esboçar uma resposta, corrigindo a entrevistadora e afirmando que não era correto comparar momentos tão diferentes da vida nacional, quando as prioridades eram outras. O senador (PSDB) tentou continuar com sua explicação, mas Lo Prete não o deixou continuar, e interrompeu a fala de seu entrevistado: Mas será que não, senador?, questionou a jornalista, sem deixar muito tempo para as reflexões pobres de Aécio: A gente fala muito de falta de planejamento, e se há uma coisa que a gente sabe bem é que não houve planejamento naquela situação, afirmou a jornalista. A crise do apagão de 2001-2002 custou ao Brasil R$ 45,2 bilhões, de acordo com dados do TCU publicados na revista Época Negócios, em 16/7/2009.
O abismo e o desgoverno
Aécio então deu aquele sorriso peculiar de quem perdeu o rumo da prosa. Foi apanhado desprevenido por uma entrevistadora astuta. Por um momento pareceu perdido. Mas logo continuou, explicando que não era advogado de Fernando Henrique Cardoso. Depois tentou corrigir a ambiguidade que lançou sobre o nome de seu companheiro de partido e garantiu que ele não precisa um (advogado). Elogiou os governos de FHC, disse que sem eles Lula nada teria feito e ainda tentou lembrar à editora de política doJornal das 10 da GloboNews que em 2001 houve muito pouca chuva.
Não era o dia de Aécio: Renata lembrou que o governo Dilma também viveu um período de estiagem muito longo. Aécio então partiu para uma série de acusações ao PT: sectarismo, irresponsabilidade fiscal, intolerância política com a oposição, mas foi outra vez pressionado pela jornalista. Que quis saber por que tantas pesquisas, públicas e privadas, registram uma imagem muito ruim dos governos do PSDB. Aécio finalmente admitiu as derrapadas no segundo mandato de FHC, e afirmou que mesmo assim ainda restou crédito ao seu governo, graças as suas conquistas anteriores.
O candidato do PSDB tentou usar a entrevista para aproveitar o mau momento da atual administração. Veio para atacar, mas com retórica frágil e sem o preparo intelectual de FHC, ele só desperdiçou tempo precioso de exposição pública. Nada do que o candidato disse ajudou seu partido ou sua candidatura. É verdade que a administração de Dilma Rousseff não deu a sequência esperada aos melhores momentos dos dois governos de Lula, mas querer estabelecer como verdade absoluta que caminhamos para o abismo e o desgoverno é inaceitável, se partirmos de pontos de vistas factuais.
Dever de casa
A verdade estava lá, na expressão de desamparo de Aécio Neves interrogado sobre FHC e seu fracasso na gestão do setor elétrico. O candidato esperava uma acolhida mais hospitaleira e favorável, em uma emissora que faz oposição ao PT de forma sistemática e muitas vezes desleal. O grande erro de Aécio foi acreditar que as grandes corporações de mídia são entidades monolíticas e os profissionais que trabalham nelas são lacaios dos patrões e seguem a linha editorial imposta por eles sem reflexão. A coisa não é tão simples assim.
A chamada grande mídia é complexa e tem muitas faces. Desacreditar tudo aquilo que é produzido por ela é uma imprudência pueril. Nos jornais mais conservadores trabalham profissionais com visões de mundo e opiniões que nem sempre coincidem com as dos seus empregadores. O contrário também é verdadeiro: publicações liberais podem ter em seus quadros gente conservadora que não segue a linha editorial de seus chefes. Jornalistas e editores experientes sabem trabalhar nos limites da autonomia relativa que a imprensa permite. Sabem usar as brechas nas emissoras e publicações onde trabalham.
Aécio Neves ignorou isso e por pouco a entrevista não azedou totalmente: em certo momento no segundo bloco, a entrevistadora afirmou que o PT reconhece as conquistas de FHC. O político mineiro replicou: O PT não reconhece nada. O candidato quis polemizar. Tentou provocar discussão. Renata Lo Prete mostrou profissionalismo, não aceitou a provocação e foi em frente com a entrevista. E o candidato desperdiçou a oportunidade de mostrar as alternativas de seu partido para o atual governo. O aspirante a presidente não fez o dever de casa, veio mal preparado para a entrevista e ainda deixou bem claro que não tem frieza para enfrentar quem o contrarie com boa argumentação.
***
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor