A construção da solidariedade entre os povos é uma tarefa revolucionária
Por duas semanas entre os meses de maio e junho deste ano, o membro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Josivaldo Alves visitou organizações de base em cinco estados […]
Publicado 17/06/2014
Por duas semanas entre os meses de maio e junho deste ano, o membro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Josivaldo Alves visitou organizações de base em cinco estados da região nordeste e sudoeste dos Estados Unidos. Foi uma viagem muito produtiva, na qual trocamos experiências com diversos grupos de base e aprendemos muito com eles. Com esta viagem de intercâmbio, o MAB tenta fortalecer os laços de solidariedade internacional com organizações dos Estados Unidos.
Convidados por um grupo de aliados no país, o movimento decidiu realizar a visita para conhecer as políticas de energia e a realidade dos trabalhadores nos Estados Unidos. A imprensa estadunidense controla muitas das informações, que não chegam aos outros países, afirma Josivaldo.
Leia a seguir entrevista feita com o militante no dia 8 de junho em Las Vegas, Novo México, às vésperas de seu retorno para o Brasil.
Quais são suas impressões desta visita aos Estados Unidos?
Estamos muito surpresos com o nível de desigualdade dentro dos Estados Unidos. A desigualdade é uma prova que a democracia estadunidense parece mais uma ditadura. Tem muita gente sem moradia, muita gente passando fome, tem gente sem acesso a energia elétrica e serviços básicos. É inacreditável tomar conhecimento que mais de 50 milhões de pessoas passam fome e recebem ajuda do governo. E deste total, 35 milhões tem pelo menos um membro da família que trabalha. Ou seja, o nível de pobreza é tão grande que as pessoas precisam do apoio do governo. A imprensa estadunidense controla muita das informações, que não chegam aos outros países. De fato, antes de chegar aqui, não sabíamos qual era a realidade dos trabalhadores e trabalhadoras nos Estados Unidos. Este bloqueio midiático tenta filtrar informações que poderiam expor as contradições sociais e econômicas dos Estados Unidos para o mundo.
Qual é a realidade dos trabalhadores imigrantes nos Estados Unidos?
Em Nova York, participamos de reuniões na periferia com os brasileiros e demais latinos e nos diferentes bairros. Ficou muito claro que os imigrantes e os negros são tratados como pessoas indesejadas no país. A violência policial, a negação do acesso ao trabalho, o trato que é dado na própria educação básica vai definindo uma posição de muito preconceito.
Você visitou uma das principais reservas indígenas nos EUA, a do povo Navajo no Arizona. Qual foi a sua percepção da luta do povo indígena?
Concretamente, eles têm uma resistência muito grande contra o imperialismo, são séculos de resistência contra a colonização. Hoje eles se encontram numa situação muito difícil. Mesmo que em geral eles tenham as suas terras bem definidas, notamos que os Navajos são um povo que está vivendo em cima da terra mas não consegue viver da terra, tem que viver de compensações das empresas que exploram a produção de minérios. Os índios aqui têm que se transformar em trabalhadores comuns pra tirar o seu sustento e isso cria dificuldades para o próprio povo. Por outro lado, existe uma tentativa muito grande de ter uma certa autonomia, existe um governo autônomo desse povo, mas na prática esse governo é dirigido pelo Estado.
Você visitou áreas de produção de carvão, a maior fonte de produção da eletricidade para o consumo interno. Alem disto, conheceu as experiências de exploração de petróleo e gás natural. Tem alguma similaridade com a questão energética no Brasil? Como isso reflete na vida dos trabalhadores?
Primeiro tem que considerar que os EUA consomem aproximadamente 25% da eletricidade do mundo e 30% do petróleo. A energia continua sendo a questão mais estratégica no mundo contemporâneo, e os EUA centralizam essa estratégia através da sua política e empresas transnacionais. Vemos que talvez é um dos países com a maior cobertura, mas ao mesmo tempo percebemos que há muitas pessoas sem acesso à energia elétrica. Então essa é uma grande contradição, estar no país que mais consome energia e ainda ter gente, principalmente na zona rural, sem acesso à energia. Isso se assemelha à realidade do Brasil, ainda que as escalas sejam incomparáveis do ponto de vista do consumo. Da energia consumida, esse consumo está centrado num publico muito privilegiado, primeiro vem a indústria, depois vem as famílias ricas, porque as classes não consomem energia de maneira igual.
Como você vê a leitura das organizações daqui sobre o modelo energético?
Não tem, para ser muito sincero. Não tem debate de modelo, tem debate de justice ambiental, transição justa, clima. A discussão é apenas sobre matriz, mas de uma maneira muito superficial, sem compreender como esta estruturada a indústria da energia. Não há ainda um entendimento da importância do modelo energético para qualquer possibilidade de construção de uma sociedade justa. O debate aqui se da muito pela questão ambiental ou climática, nesse sentido ha um equivoco porque o problema da emissão de gases tóxicos a partir da energia é percebido somente como uma questão climática que não tem relação com a produção de mercadoria.
Mas por que esse debate é importante?
Porque é preciso discutir projeto. Qualquer organização séria da classe trabalhadora que quer discutir a realidade com compromisso com a transformação vai ter que discutir modelo. Se você discutir modelo, vai discutir as principais contradições do capitalismo. Isso é central em qualquer sociedade. Por exemplo, no Brasil, a política energética é dirigida pela lógica transnacional. Discutir alternativasdentro do atual modelo é fazer uma luta no mínimo ingênua. Sem discutir modelo, não existe justiça ambiental, porque sem transformar as estruturas capitalistas você não tem como fazer justiça. Você vai conseguir no máximo alguns benefícios isolados, mas acreditar que é possível fazer uma transição justa sem confrontar o modelo econômico é ingenuidade.
Qual a importância da solidariedade internacional?
A importância maior é que a classe trabalhadora não pode ficar isolada entre o sul e o norte e entre os países. A solidariedade de classe é importante dentro de um município, dentro de um estado, de um país e entre os países. A relação solidária do MAB com as organizações dos Estados Unidos é muito necessária. Precisamos encontrar organizações que fazem a luta contra o capitalismo. Em segundo lugar, só há possibilidade de um triunfo da classe trabalhadora, se ela estiver bem articulada, com clareza da sua tarefa enquanto classe. Em terceiro lugar, nós precisamos conhecer melhor as contradições do capitalismo da sociedade estadunidense. Esse intercâmbio permitiu conhecer o nível de pobreza neste pais. Isto demonstra que a solidariedade é mais do que necessária. A construção dos Amigos do MAB [articulação de apoiadores do MAB nos EUA] e a relação direta com as organizações é muito importante e necessária.
Qual foi o objetivo desta visita e qual é a avaliação que você faz?
O objetivo foi construir uma relação solidária entre os trabalhadores. Em segundo lugar, queríamos conhecer melhor como esta sociedade se organiza, como vive o povo, como estão as organizações. Saímos daqui com muitas lições positivas, de conhecer uma cultura muito diferente da nossa, principalmente do ponto de vista político e social. Conhecer melhor as contradições nos EUA nos anima e nos faz perceber que os problemas que atingem os pobres aqui e no Brasil são muito similares. Se a gente olhar os EUA como um laboratório para o capitalismo, ou seja, onde o sistema está mais avançado, o que vemos é que o capitalismo não serve para construir uma sociedade justa, fraterna. Então o desejo do movimento de continuar as relações com as organizações sérias aqui da classe trabalhadora e os Amigos do MAB tem um papel muito importante. Na volta, vamos ter que planejar a continuidade. Temos o desafio de seguir construindo esse intercâmbio.