Artigo: Do Verde ao Turvo
Essa poesia inexplicável chega a ser criativa de tão confusa. Vão criar ponto de pesca pra quem não pega mais peixe, geleira pra quem não tem mais o que conservar […]
Publicado 15/05/2014
Essa poesia inexplicável chega a ser criativa de tão confusa. Vão criar ponto de pesca pra quem não pega mais peixe, geleira pra quem não tem mais o que conservar e construir sedes pra quem não tem mais onde atuar.
Por Jéssica Portugal, militante do MAB em Altamira
Se procurar bem você acaba encontrando.
Não há explicação (duvidosa) da vida,
Mas há poesia (inexplicável) da vida
(Carlos Drummond Andrade)
Não foi à toa que essa gente do Xingu se reuniu mais de uma vez para tentar entender os rumos que a Norte Energia vai tomar pra resolver a vida das dezenas de pescadores que não tem mais de onde tirar o sustento.
As águas do Xingu sempre foram verdes e apropriadas para enxergar o Acari durante o dia e para escurecer o reflexo da lua durante a noite (por que na claridade quase não se pesca direito). Hoje (depois dessa tal de Belo Monte que esbanja luz por toda a Transamazônica) não se pega mais peixe à noite e nem se enxerga nada durante o dia. A cor da água, antes esverdeada, agora é turva, escura, suja e poluída.
Seu Francisco da Silva até que se preparou bem para atuar como empreendedor da pesca. Fez três cursos técnicos de piscicultura e participou de dois seminários regionais de pesca, mas nem ele, nem dona Maria, e nem um pescador que tenha todo o conhecimento do planeta vai conseguir pegar peixe por um bom tempo no rio Xingu! E olhe lá se vai conseguir pegar alguma coisa algum dia por aqui.
Por sorte do destino os pescadores que moravam no Km 55, na vila Santo Antônio, onde o Xingu fazia aquela volta tão grande que o povo falava, foram remanejados e receberam um dinheirinho que deu pra ficar feliz por uns tempos. Mas só alguns receberam, e os que não quiseram dinheiro mas preferiram as casas ainda não receberam a moradia. O único problema nisso tudo é que os que não receberam as casas não tem mais pra aonde ir, e nem podem mais voltar para vila da Volta, que não dá mais volta alguma, por que foi desviada e agora está reta.
E enquanto a empresa construtora de Belo Monte funciona a todo vapor, seu Francisco, dona Maria e as centenas de pescadores que uma vez ou outra ocupam os canteiros para exigir o que lhes foi tirado, vão se virando como podem (e como não podem também) pra sobreviver em Belo Monte. Sobrevivência essa que está cada vez mais difícil, por que as serrarias (que embora ilegais, eram as únicas opções de trabalho) hoje estão fechadas. A pesca que antes garantia mais de 100 kg de peixe por mês, hoje não passa de 10kg por dia (e nem dá pra suprir a gasolina, o isopor e o gelo que são gastos) e a sub sede da prefeitura de Vitória do Xingu que funciona no distrito não consegue mais garantir emprego pra população por causa do superlotação de pessoas.
O que é poesia a gente até aceita que não se explique, que fique na beleza do sonho. Mas a vida de dona Débora, que saiu da Ilha de Xocaíque e que hoje mora em Belo Monte e sobrevive da Bolsa Família dos filhos, tem que ser explicada, tem que ser revisada e tem que ser resolvida. Não dá pra ficar na dúvida.
O Rio pode estar turvo, mas a luta dessa gente simples é verde clara da cor do Xingu e da esperança, e pra quem não tem nada a perder, TUDO SE GANHA!