Baixo Iguaçu: uma história entre a tragédia e a farsa

Foto: Joka Madruga   Reportagem: Guilherme Weimann  Edição: Inês Castilho Fotos: Joka Madruga e Elisa Julve Vídeo: Guilherme Weimann e Elisa Julve do Outras Palavras A Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu, prevista […]

Foto: Joka Madruga

 

Reportagem: Guilherme Weimann 

Edição: Inês Castilho

Fotos: Joka Madruga e Elisa Julve

Vídeo: Guilherme Weimann e Elisa Julve

do Outras Palavras

A Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu, prevista para ser construída no rio Iguaçu, o maior da região sudoeste do Paraná, faz parte da atual política de expansão do setor elétrico nacional. Oficialmente, sua construção atingirá 360 famílias – como consta no Plano Básico Ambiental (PBA) da usina. Mas, nas contas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), são cerca de 800 grupos familiares, mais de 3 mil pessoas. Esse é um fato recorrente nas barragens: o número de indenizados é sempre inferior à realidade.

A atmosfera de insegurança vivida pelos moradores da região faz lembrar o século passado, quando a disputa por terras gerou um clima de guerra entre colonos assentados pelo governo Getúlio Vargas e grandes empresas, entre elas uma multinacional, protegidas pelo governador Moisés Lupion. Organizados, os agricultores acabaram por expulsar as corporações da região, no episódio que ficou conhecido como a Revolta dos Colonos ou Revolta dos Caboclos, de 1957.

A situação agora é ainda mais complexa, já que envolve também os interesses do governo federal. O grupo responsável pela obra, ironicamente denominado Consórcio Geração Céu Azul, é formado pela Companhia Paranaense de Energia (Copel) e, majoritariamente, pela corporação Neoenergia, do Fundo de Previdência do Banco do Brasil (Previ), do Banco do Brasil e da multinacional espanhola Iberdrola. E as obras de construção da usina são de responsabilidade da Oderbrecht. Mas o desrespeito e a violência usados contra os moradores são gerados na mesma fonte.

Um dos casos críticos de violação de direitos ocorreu no canteiro de obras, entre os municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques, onde onze famílias tiveram suas propriedades atingidas. “Já entraram com a reintegração de posse e não deram tempo pra nada. Disseram que a gente tinha de tirar o gado se não iam multar, como se a terra fosse deles. Tem famílias que vivem há cinquenta anos aqui”, afirmou Éder Junior Pichette, arrendatário de uma área nocanteiro de obras.

Dona Irene, também atingida pelo canteiro, disse que a notícia de que as obras iam começar assustou muitos moradores. “Eles chegaram invadindo, não pediram pra ninguém, não pagaram ninguém. Chegaram derrubando milho, derrubando cerca, soltando criação, como se fossem donos”, lembrou. A irmã de Irene, Dona Jurema, mora poucos metros acima do canteiro, onde as máquinas da Odebrecht trabalham 24 horas por dia. Em diversas ocasiões foi obrigada a apresentar documentos para ir até a casa da irmã, onde morou por vários anos. “Ainda por cima fomos escoltados, pra eles terem certeza de que a gente ia mesmo lá. E minha irmã não recebeu nenhum centavo pela terra.”

A usina do Baixo Iguaçu foi planejada para gerar até 350 MW de potência, o que poderia atender cerca de um milhão de consumidores. Contudo, 60% de da energia gerada nas suas três turbinas serão destinadas à Companhia Vale do Rio Doce. Um caso clássico: no Brasil, cerca de 30% da energia elétrica é consumida por meia dúzia de setores industriais: cimento, alumínio, aço, metalurgia, petroquímico e celulose.

Foto: Joka Madruga

“São setores que causam um enorme impacto social e ambiental, e exportam praticamente matéria-prima bruta, sem nenhum valor agregado”, observa Rodrigo Zancanaro, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no estado do Paraná. “A construção dessa barragem pode se transformar em uma tragédia social, e uma tragédia social anunciada. As empresas têm aparatos jurídicos que perseguem e criminalizam os atingidos.”

“Como dizia Marx, a história se repete na primeira vez como tragédia e na segunda como farsa”, diz o ativista. “Mas, ao mesmo tempo que a lembrança da época dos pistoleiros invoca o medo no imaginário coletivo, a herança de resistência, luta e conquista também se mostram presentes.”

 

Iberdrola: Culpada!

No dia 31 de outubro, numa praça do antigo centro de Bilbao, na Comunidade Autônoma Basca, na Espanha, 60 organizações, de 15 países, realizaram um Tribunal de Rua para julgar as violações de direitos humanos cometidas pela Iberdrola, que tem ali sua sede: “Há um ano estamos tentando negociar com a empresa para saber como ficará a situação das famílias do Baixo Iguaçu. Muitas estão adoecendo, aumentou muito a procura nos postos de saúde nos últimos dias. Por isso declaramos a Iberdrola culpada”, declarou Rosane, professora e atingida pela UHE Baixo Iguaçu.

Foto: Elisa Julve

A multinacional é uma das cinco maiores companhias elétricas do mundo, com presença em 40 países, principalmente Reino Unido, Estados Unidos, Brasil e México. Em 2010, produziu 154.073 GWh de eletricidade em escala mundial, o que representa cerca de 30% da produção nacional de eletricidade no mesmo ano, de 509.200 GWh. A partir dos anos 90, a empresa intensificou a internacionalização dos seus negócios, principalmente na América Latina, onde comprou diversas estatais.

No Brasil, a multinacional chegou em 1997, quando adquiriu, junto com o Previ, o Consórcio Guaraniana, no nordeste do país. Passada uma década e meia, domina a distribuição deenergia elétrica a 11 milhões e meio de pessoas, através da Coelba (Bahia), Cosern (Rio Grande do Norte), Celpe (Pernambuco) e Elektro (São Paulo), antigas estatais. Cerca de dois terços das distribuidoras de energia são hoje privatizadas no país.

O preço da energia elétrica no Brasil aumentou cerca de 400%, desde o início das privatizações. Embora nossa matriz energética (cerca 80%) esteja baseada na hidroeletricidade, a forma mais barata de gerar energia, o consumidor brasileiro paga uma das dez tarifas de eletricidade mais caras do mundo – embora, no exterior, a energia seja predominantemente originária de termelétricas e usinas nucleares, com elevado custo de produção.

“Nada da energia ficará para nós, nada da riqueza ficará para nós, tudo será exportado. O que fica é o mau tratamento da empresa ao povo atingido por essa usina. São famílias que estão no canteiro de obras, sofrendo dia e noite com o barulho das detonações das rochas e com o barulho das máquinas trabalhando nas obras”, declarou Rosane.

 

Foto: Elisa Julve

Legislação

No Brasil, a única lei que versa sobre os atingidos por barragens é de 1941, e garante indenização apenas aos proprietários de terra. Arrendatários, meeiros, trabalhadores ou comerciantes são excluídos de qualquer forma de reparação. Do lado oposto, um rígido e complexo marco regulatório rege os direitos das empresas do setor elétrico, com benefícios e incentivos estatais na geração, transmissão e distribuição de energia, que garantem a alta lucratividade das empresas de forma permanente.

A UHE Baixo Iguaçu não é um caso isolado. No Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, o governo prevê a construção de 34 hidrelétricas nos próximos dez anos. Cerca de 250 mil pessoas podem ser atingidas, segundo os cálculos do MAB. Só na Amazônia serão 15 hidrelétricas, incluindo Belo Monte, de responsabilidade do consórcio Norte Energia, no qual – não por coincidência – a multinacional Iberdrola tem participação de 10%.

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