Canteiro de obras ou de perseguição?

TRABALHO Operários denunciam abuso e violência na usina de Jirau, em Rondônia Por Eduardo Sales de Lima, do Brasil de Fato Espionagem e repressão física e verbal, eis os novos […]

TRABALHO Operários denunciam abuso e violência na usina de Jirau, em Rondônia

Por Eduardo Sales de Lima, do Brasil de Fato

Espionagem e repressão física e verbal, eis os novos instrumentos mantenedores da “ordem” na usina de Jirau, em construção no rio Madeira, a 150 km de Porto Velho, em Rondônia. Quase quatros meses após o incêndio nos alojamentos dos trabalhadores de Jirau, as formas mais claras de intimidá-los permaneceram, agora com a “parceria” entre arapongas, Força Nacional de Segurança Pública e segurança privada.

“O sistema de segurança, que era para cuidar do patrimônio, é usado contra o trabalhador, para intimidar. O trabalhador não pode chegar na fila e dizer, por exemplo, que a comida está ruim. Se tiver alguém da [segurança] patrimonial por perto, ele já se transforma em alvo deles”, conta Walter Gomes da Silva, ex-encarregado do setor de meio ambiente em Jirau e recentemente demitido pelo grupo Camargo Corrêa.

Segundo ele, há no mínimo cinco policiais militares que fazem parte dessa “segurança especial”. “Tem uns coitados que conseguem fazer boletim de ocorrência de espancamento. Eles [seguranças] os tiram dos limites da obra e os espancam. O Ministério Público do Estado está investigando”, conta.

Não bastasse isso, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Serviço Pastoral do Migrante, regionais de Rondônia, sob a liderança da irmã Maria Ozânia, denunciaram abusos recentes por parte da Força Nacional, cuja função seria a de inibir a violência. De acordo com ela, no dia 15 de junho, oito jovens trabalhadores entre 18 a 22 anos, todos da região Nordeste, relataram que foram abordados por um conjunto de homens da Força Nacional e da segurança privada da empresa. Militares e seguranças teriam dito que os levariam para uma “reunião”. Na realidade, os funcionários foram conduzidos a uma sala onde teriam sido rebaixados, com palavras e ameaças.

Um dos trabalhadores contou que a Força Nacional e seguranças da empresa o obrigaram a trocar de roupa com a porta do local aberta e na presença de colegas e desconhecidos, o que o fez sentir-se humilhado.

Relataram a Maria Ozânia que a Força Nacional realizou a revista pessoal de forma agressiva, quase golpeando a genitália, e que as agressões verbais continuaram por meio de xingamentos como: “vagabundos”, “ladrões” e “vândalos”. Há relatos de que um dos policiais da Força Nacional teria desferido um tapa na orelha de um dos trabalhadores.

“Foram utilizando de todos os meios que podiam para exercer pressão psicológica sobre os trabalhadores para que declarassem que sabiam dos fatos ocorridos em março e, inclusive, confessassem participação e autoria”, aponta Ozânia, em nota.

Espionagem

Walter, recentemente demitido pela Camargo Corrêa, testemunhou situações que, segundo ele, o fizeram lembrar “de um passado triste de nosso país”. Ele relata que soube de casos em que os seguranças da obra “acompanharam” os funcionários demitidos até que eles entrassem no ônibus ou no avião. Segundo ele, os “seguranças” proibiam os funcionários até mesmo de se despedir de amigos.

Walter reclama junto à Justiça que sua demissão é fruto de relatórios de espiões que levantaram, a mando do grupo Camargo Corrêa, seu passado de militância dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Aqui emerge a figura do ex-coronel Gélio Fregapani. Há mais de um ano ele foi descoberto pela imprensa rondoniense. Fregapani foi chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em Roraima quando ainda não havia sido definida a demarcação de terras indígenas na região [agora território indígena Raposa Serra do Sol]. Ele é apontado pela Polícia Federal como orientador de Paulo César Quartiero e seus pistoleiros, acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de fazer ataques contra aldeias indígenas com bombas incendiárias e outras armas de fogo. O objetivo era tentar expulsá-los em benefício de fazendeiros da região, sobretudo os produtores de arroz.

Ainda de acordo com MPF, esses pistoleiros teriam colocado um carro-bomba em frente à sede da Polícia Federal e instalado minas explosivas na estrada que liga Boa Vista (RR) à área indígena Surumu.

O ex-coronel se apresenta à população de Jaci-Paraná e Mutum-Paraná como escritor. “Há alguns meses, ele [Fregapani] me chamou para conversar sobre um livro. Nessas conversas, ele começou a me dizer algumas coisas que não tinham nada a ver com o suposto livro, e começou a me falar termos mais políticos, que a gente tinha que comer arroz e feijão e não árvore, e que tínhamos que desmatar tudo mesmo. E ele sabia que eu era uma liderança no canteiro [de obras]”, conta Walter.

Segundo informações da imprensa de Rondônia, Fregapani foi contratado pela empresa Sagres Consultoria, que por sua vez prestaria serviços ao grupo Camargo Correa para fazer trabalho de espionagem. Fregapani teria elaborado dossiês sobre cada liderança contrária às usinas.

Walter acredita que por ser um dos fundadores do MST na região do Pontal do Paranapanema (SP), por conta da rebelião de março [iniciada, segundo ele, por não-trabalhadores] e, finalmente, devido à espionagem capitaneada por Fregapani, ele foi demitido.“Eles tiram fora [demitem], somos apenas nomes. Chega o relatório com esse e aquele nome que causam desconfi ança…’tira!’”, salienta.

Em agosto de 2010 o professor Luiz Fernando Novoa, da Universidade Federal de Rondônia (Unir) já atentava ao Brasil de Fato que participações como a do ex-chefe da Abin em torno de Jirau revelam como órgãos estatais têm se colocado inteiramente à disposição das empresas líderes dos dois consórcios [das usinas de Jirau e Santo Antônio]. “Estamos observando operações paralelas clandestinas desses órgãos de repressão e que são encomendadas pelas empresas”, concluía. Se tais operações continuam a ser conduzidas desde há mais de um ano e são denunciadas constantemente, parece que deixaram de ser clandestinas.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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