Medidas do governo são poucos passos na estrada camponesa
Luiz Felipe Albuquerque Da Página do MST O histórico da mobilização da luta camponesa no Brasil parece, aos poucos, ter efeito na maneira como as políticas públicas dialogam com a […]
Publicado 26/05/2011
Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST
O histórico da mobilização da luta camponesa no Brasil parece, aos poucos, ter efeito na maneira como as políticas públicas dialogam com a agricultura familiar.
Após a Jornada Nacional de Luta Camponesa, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), mobilizar diversos estados e quase 15 mil camponeses em todo o país, paralelamente a uma rodadas de negociações com governos estaduais e com o governo federal – realizadas ao longo da última semana – a presidenta Dilma Rousseff apresentou a política de seu governo para o setor.
O governo federal prometeu destinar R$ 16 bilhões para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), mantendo em um ano de cortes o mesmo valor do período anterior, e a redução dos juros de 4% para até 2%, atendendo parte das reivindicações feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) durante o Grito da Terra 2011.
Além disso, Dilma garantiu a destinação de R$ 530 milhões para a compra de terras para a Reforma Agrária, a reavaliação do Sistema Único de Atuação à Sanidade Agropecuária, a formação de uma superintendência para a habitação rural e a avaliação das dívidas familiares.
Para Raul Krauser, da Coordenação Nacional do MPA, o mais importante de tais medidas é o aspecto de avanço na legitimidade social. Se há duas décadas o movimento camponês era visto como um problema social, agora há um reconhecimento do campo, da agricultura como algo estratégico para a produção de alimentos, e a necessidade do desenvolvimento da pequena agricultura, comenta.
Todavia, mesmo com certo avanço nas políticas públicas para a pequena agricultura, Raul aponta um problema no encaminhamento dessas políticas, por conta das diferentes concepções de campo, de agricultura e da maneira como se enxerga o próprio camponês.
A lógica econômica do camponês é diferente da lógica capitalista. Os princípios e regras não são os mesmos, critica Raul. Segundo ele, os mecanismos de crédito e toda a burocracia envolvida nesses processos são frutos de modelos empreendedoristas.
O exemplo é o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). De acordo com Raul, isso acaba desconstruindo a cultura e os valores da comunidade camponesa com a finalidade de que virem empresários.
No ano passado o acesso ao crédito pelo Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar) totalizou R$ 11 bilhões. Os R$ 5 bilhões restantes, que estavam disponíveis, não foram utilizados por causa da estrutura bancária, que acaba dificultando o acesso do pequeno agricultor ao crédito, por estar fora da sua realidade.
Raul acredita que há dois modos de produção, que estão em disputa. De um lado, o modelo do agronegócio, com a produção de commodities visando a exportação; do outro, a agricultura familiar, que tem em sua essência a produção de alimentos básicos para a população. São dois modos de produção de vida, de se fazer agricultura. Existe um Brasil rural, e para onde vai caminhar esse Brasil rural é que está a disputa política, observa.
Endividamento
Outra pauta colocada na mesa pela jornada foi a questão do endividamento dos pequenos agricultores. Há um estudo de caso no Rio Grande do Sul que aponta que nos últimos cinco anos mais de 80% dos municípios decretaram estado de calamidade, afetando diretamente na produção dos alimentos da agricultura familiar. Essa é um dos aspectos que justificam o endividamento.
Os alimentos aumentaram menos do que a inflação nos últimos tempos, ainda mais se comparado com outros produtos, como os combustíveis. Ou seja, o endividamento ocorre não por incompetência das famílias, mas por questões climáticas e econômicas, ressalva.
No entanto, os agricultores enfrentam dificuldades para dialogar com o governo sobre essa temática, porque a inadimplência não chegou a 4%. Portanto, não haveria dívidas nesse setor, de acordo com os dados oficiais.
O dirigente do MPA aponta que essas parcelas ainda estão para vencer. Por isso, o governo ainda não conseguiu identificar o problema. Há instrumentos governamentais para identificar essa situação, por isso acreditamos que essa questão não será um problema tão grande, avalia.
Legislação
O jornada também abriu uma discussão sobre a reavaliação do Sistema Único de Atenção à Sanidade Anima (Suasa), um sistema nacional de inspeção sanitária que unifica as regras de vigilância no país.
O governo federal já editou dois decretos unificando as regras de vigilância sanitária – 2006 e 2010. Entretanto, poucos foram os estados e municípios que aderiram ao Suasa. Isso dificulta a comercialização dos produtos da agricultura familiar, já que cada município mantém uma regra específica de cuidados sanitários a serem observados na produção.
Raul aponta que essa legislação é pensada para os produtores de grande porte, ignorando as especificidades da pequena agricultura. Essa legislação é barreira de mercado, e não sanitária. Impede o sistema de funcionar, critica.
Para ele, no caso da agricultura familiar, a legislação tem que ser mais branda entre os municípios, com o mínimo para que os produtos possam circular com mais facilidade entre eles.
Esse início de governo Dilma, de acordo com Raul, apresenta uma boa abertura para a pequena agricultura, uma vez que parece ter ganhado mais legitimidade. Ao mesmo tempo, o governo demonstra limites na disputa política entre os modelos de agricultura existentes.
Segundo o coordenador do MPA, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) está dominada pelo agronegócio, a Embrapa está nas mãos do PMDB e, consequentemente, também sob a régia do agronegócio. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) tem uma margem de atuação bastante limitada.
A pauta da Reforma Agrária está fora da discussão política no governo. Temos uma correlação de forças muito desfavorável. Por outro lado, há espaços internos que podem permitir que trabalhemos sobre esses assuntos, mantendo sempre uma relação de autonomia. Temos que fazer a luta no enfrentamento com o agronegócio, projeta.