A ganância do capital pela água em tempos de pandemia: a expressão cruel do lucro acima da vida

A incalculável riqueza hídrica que pertence ao Brasil está prestes a ser apropriada pelo capital financeiro e pelas multinacionais dos setores de saneamento, energia e bebidas com apoio do Governo Federal. Diante dessa situação defendemos que a água precisa ser urgentemente reconhecida como um direito essencial à vida de todos os povos, e não como uma mercadoria, fonte de lucro para o capital

Foto: Roberta Quintino

Artigo escrito por Dalila Calisto*

Todos sabemos que a água é elementar para a existência dos seres vivos do nosso planeta e provavelmente fora dele, desde funções celulares, passando também pelo consumo humano e até mesmo irrigação para a produção de alimentos. Quando refletimos sobre a disponibilidade de água em nosso país, vemos uma quantidade imensa desse recurso: temos em nosso território mais de 13% do total de todas as reservas potáveis existentes no mundo. A água é uma de nossas principais riquezas, assim como é o pré-sal, os minérios e outros. Todo esse patrimônio faz do nosso Brasil um território altamente estratégico e com enorme potencial para exploração das relações de trabalho e produção da mais-valia para o Capital.

Dito isto, a questão que está colocada é a seguinte: toda esta riqueza que pertence ao Brasil está prestes a ser apropriada pelo capital financeiro e pelas multinacionais do setor de saneamento, energia e bebidas. Através dos Pls 4.162/19, 495/17 e 3.612/15, que tramitam em regime de urgência no Congresso Nacional, o governo Bolsonaro, cada vez mais aliado da burguesia interna e do imperialismo norte-americano, planeja entregar o controle (natural e material) desta riqueza nas mãos de banqueiros, como os da BTG Pactual, Itáu, Banco Mundial e de empresas, como: AEGEA, BRK Ambiental, SUEZ, AMBEV e outras, grandes grupos econômicos que, em sua grande maioria, estão no ranking dos mais ricos do país e/ou do mundo.

Longe de se preocupar com as populações mais pobres, o governo federal tem somado esforços para atender aos interesses dos empresários. Isso está nítido no Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal proposto por Bolsonaro, que obriga os governos estaduais a autorizarem a privatização de empresas de saneamento, energia e gás em troca de adquirirem ajuda financeira da União para combater o coronavírus. O tal plano prevê que só entrarão na lista de prioridades do governo para receber auxílio federal os estados e municípios que concordarem com a privatização do saneamento (distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto).

A ganância do capital pelo controle da água é inescrupulosa, sem limites e cada vez mais predadora. Em meio a toda esta situação de pandemia, as empresas privadas do setor estão pressionando o Senado Federal para que seja votado, em regime de urgência, o PL 4.162/19, que modificará toda a política pública de saneamento vigente no país e poderá dificultar ainda mais o acesso à água, principalmente para a população mais pobre.

Os lacaios do capitalismo defendem que a única forma possível de realizar investimentos é colocando as estatais, inclusive as de saneamento, à venda e transformando os serviços públicos em negócios privados quando, na verdade, o único que deveria ser dono deste bem público é o povo. Se esse PL for aprovado, permitirá uma verdadeira mudança na atual organização do setor de saneamento no Brasil e, na prática, significará a privatização do setor em todo o país. As empresas privadas terão o controle sobre a maioria dos serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, e passarão a aplicar tarifas dolarizadas, de acordo com as regras do mercado, nas contas de água e esgoto, assim como acontece hoje com a energia elétrica, gás e combustíveis.

Para nós, esse não é o caminho a ser adotado, ao contrário, sobretudo neste momento de pandemia, prova-se que o estado é fundamental para a sobrevivência das pessoas. Portanto, é preciso investir no setor público e lutar para que os serviços essenciais à população, como o acesso à água, continuem sob a responsabilidade do Estado.

Hoje, o Estado Brasileiro possui uma estrutura pública de saneamento que atende mais de 170 milhões de pessoas, entretanto, ainda existem mais 35 milhões que não têm  acesso à água potável. O setor público de saneamento possui cerca de 57 milhões de ligações residenciais, mais de 622 mil km de redes de água instaladas e 300 mil km de redes de esgotamento, e é justamente todo este mercado e estrutura de saneamento que as empresas estão mais interessadas em se apropriar.

Essas empresas têm se articulado fortemente para colocar em pauta o Projeto de Lei 4.162/19, como também, na formulação de estudos que visam aprofundar a mercantilização da água no Brasil. Um destes estudos é o Setor Elétrico: Como Precificar a Água em um Cenário de Escassez, desenvolvido pelo Instituto Escolhas, com patrocínio do Banco Itaú.

Diante disto, defendemos que a água precisa ser urgentemente reconhecida como um direito essencial à vida de todos os povos, e não como uma mercadoria, fonte de lucro para o capital. Em momentos como esse, a água deveria ser um dos componentes essenciais da cesta básica do povo e não algo que é preciso pagar para se ter acesso. Todas as famílias brasileiras deveriam ter acesso à água de forma gratuita em suas residências, com a suspensão total das tarifas. Reivindicações como essas são urgentes, justas e legítimas para garantir dignidade ao povo brasileiro neste momento e deveriam estar entre as primeiras iniciativas do poder público municipal, estadual e federal, porém, até agora, não tem sido prioridade na maioria dos municípios do país.

Para que isto seja possível, só existe uma forma: aumentar e fortalecer a organização e pressão popular em defesa dos direitos e da soberania do povo brasileiro. Na prática, isto significa organizar mais ainda o povo em uma luta que precisa ser cada vez mais ampla e ousada. Dizer NÃO ÀS PRIVATIZAÇÕES precisa ser nossa palavra de ordem, para que então ponhamos fim a esta política vergonhosa de entreguismo e subserviência em nosso país.

Águas para a vida, e não para a morte!

 *Dalila Calisto é integrante a coordenação nacional do MAB

 Referências bibliográficas

Agência Nacional de Águas (Brasil).Contas econômicas ambientais da água no Brasil 2013–2015 / Agência Nacional de Águas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental. — Brasília: ANA, 2018

BTG Pactual. “Saneamento Básico: Uma Revolução que se aproxima” feito pelo Banco BTG Pactual, 2017

CALISTO, Dalila. ELEMENTOS QUE IDENTIFICAM A ESTRATÉGIA DO CAPITAL SOBRE A ÁGUA: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO NA AGESPISA-PIAUÍ. Relatório de Qualificação. Ano 2020. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI).

CÂMARA DOS DEPUTADOS PL 4.162/19 <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2213200>

Instituto Escolhas. Relatório “Setor Elétrico: Como Precificar a Água em um Cenário de Escassez”, São Paulo, 2019

Lista dos 200 bilionários do Brasil em Revista Forbes ano 2019.

https://www.fnucut.org.br/novo-marco-do-saneamento-basico-pode-ser-votado-no-combate-ao-coronavirus-fonte-agencia-senado/

https://www.fnucut.org.br/privatizacao-do-saneamento-vira-moeda-de-troca-para-governo-federal-ajudar-estados-e-municipios/

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